Ermance Dufaux
Sabeis por que, às vezes, uma vaga tristeza se apodera dos vossos
corações e vos leva a considerar amarga a vida?
François de Genèive (Bordéus)
O EVANGELHO SEGUNDO O
ESPIRITISMO – Cap. V, Item 25
Dores existenciais, quem não as
experimenta?
A pergunta do Espírito François
de Genèive foi elaborada num tempo em que os avanços das ciências psíquicas não
tinham alcançado as profícuas conquistas da atualidade. Com o título
“melancolia” e utilizando o saber espírita, esse colaborador da Equipe Verdade
deu a primeira palavra sobre a grave questão dos transtornos de humor e sua
relação com a vida espiritual.
À luz da ciência, depressão
primária é o quadro cuja doença não depende de fatores causais para surgir,
sendo, em si mesma, causa e efeito. Depressão secundária é aquela que decorre
de um fator causal que pode ser, por exemplo, uma outra doença grave que
resulta em levar o paciente a ficar deprimido.
Boa parcela dos episódios de
“depressão primária crônica”, aqueles que se prolongam e agravam no tempo mas
que permanecem nos limites da neurose, ou seja, que não alcançam o nível de
perda da realidade, são casos que merecem uma análise sob o enfoque espiritual
graças à sua íntima vinculação com o crescimento interior.
À luz da imortalidade, as
referidas depressões são como uma “tristeza do espírito” que ampliam a
consciência de si. Um processo que se inicia, na maioria dos casos, antes do
retorno à vida corporal quando a alma, em estado de maior “liberdade dos
sentidos”, percebe com clareza a natureza de suas imperfeições, suas faltas e
suas necessidades, que configuram um marcante sentimento de falência e desvio
das Leis Naturais. A partir dessa visão ampliada, são estabelecidos registros profundos
de inferioridade e desvalor pessoal em razão da insipiência na arte do perdão,
especialmente do autoperdão. Nessa hora, quando a criatura dispõe de créditos
mínimos para suportar esse “espelho da consciência”, seu processo corretivo inicia-se
na própria vida extrafísica sem tratamentos muitos similares aos dos nosocômios[2]
terrestres, até que haja um apaziguamento mental que lhe permita o retorno ao
corpo. O mesmo não ocorre com quantos experimentam a “dura realidade” de se verem
como são após a morte, mas que tombam nas garras impiedosas das trevas a que
fizeram jus, regressando à vida corporal em condições expiatórias sob domínio
de severas psicoses para olhar os frutos das sementes que lançou.
Nessa ótica, depressão é um doloroso
estado de desilusão que acomete o ser em busca de sua recuperação perante a
própria consciência na vida física.
Essa análise amplia o conceito
de reforma íntima por levar-nos a concluir que soa para alma o instante divino
para a reparação, conclamando-a, após esbanjar a “Herança do Pai”, assim como o
“Filho Pródigo” da parábola evangélica, ao recomeço progressivo no “Colo
Paternal”, onde encontrará descanso e segurança – valores perdidos há milênios
nos terrenos de sua vida afetiva.
Semelhantes depressões,
portanto, são o resultado mais torturante da longa trajetória no egoísmo,
porque o núcleo desse transtorno chama-se desapontamento ou contrariedade, isto
é, a incapacidade de viver e convier com a frustração de não poder ser como se
quer e ter que aceitar a vida como ela é, e não como se gostaria que fosse.
Considerando o egoísmo como o hábito de ter nossos caprichos pessoais atendidos,
a contrariedade é o preço que pagamos pelo esbanjamento do interesse individualista
em milênios afora, mas, igualmente, é o sentimento que nos fará refletir na
necessidade de mudança em busca de uma postura ajustada com as Leis Naturais da
vida.
Para a maioria de nós,
contrariedade significa que algo ou algum acontecimento não saiu como
esperávamos, por isso algumas criaturas costumam dizer: “nada na minha vida deu
certo”. É tudo uma questão de interpretação. Quase sempre essa expressão “não
deu certo” quer dizer que não saiu, conforme nosso egoísmo.
O desapontamento, portanto, é
altamente educativo quando a alma, ao invés de optar pela tristeza e revolta,
prefere enxergar um futuro diverso daquele que planejou e, no qual, a grande
meta da felicidade pode e deve estar incluída.
O renascimento corporal é
programado para que a criatura encontre nas ocorrências da existência os
ingredientes precisos à sua transformação. Brota então, espontaneamente, o
desajuste, em forma de insatisfação crônica com a vida, funcionando como canal
de expulsão de culpas armazenadas no tempo, controladas com a força de
mecanismos mentais defensivos ainda desconhecidos da ciência humana e eclodindo
sem possibilidade de contenção. Um “expurgo psíquico” em doses suportáveis.
Os sintomas a partir de então
são muitos conhecidos da medicina humana: a insônia, tristeza persistente,
ideias de autoextermínio, vazio existencial e outros tantos. Poderíamos
asseverar que almas comprometidas com esse quadro psicológico já renascem com
um “ego frágil”, suscetível a uma baixa tolerância com suas falhas e estilo de
vida, uma dolorosa incapacidade de se aceitar; menos ainda de se amar. No fundo
permanece o desejo impotente de querer a vida conforme seus planos, mas tudo
conspira para que tenha a vida que precisa em vista de suas necessidades de
aperfeiçoamento.
A rebeldia, no entanto, que é a
forma revoltante de reagir perante os convites renovadores, pode agravar ainda
mais a prova íntima. Nesse caso o homem soçobra em dores emocionais acerbas que
o martirizam no clímax da dor resgate.
Medo, revolta, suscetibilidade,
impotência diante dos desafios são algumas das expressões afetivas que podem
alcançar a morbidez, quando sustentadas pela teimosia em não aceitar os
alvitres das circunstâncias que lhe contrariam os sonhos e fantasias de
realização e gozo. Forra-se então um quadro de insatisfação crônica com a vida.
Como já dissemos, esse é sem
dúvida o mais infeliz efeito do nosso egoísmo, o qual age “contra” nós próprios
ao decidirmos abandonar a suposta supremacia e grandeza que pensávamos possuir,
em nossas ilusões milenares de orgulho que se desfazem ao sopro renovador da
Verdade.
Eis as mais conhecidas facetas
provacionais da vida mental e emocional do espírito que experimenta a dor das
“depressões primárias crônicas”, cujo processo detona sua melhoria espiritual
que já vem sendo relegada ao longo dos evos[3]:
v Aflição antecipada com perdas – “neurose do apego”.
v Medo da frustração – “neurose de perfeccionismo”.
v Extrema resistência com a autoaceitação – “neurose de
vergonha”.
v Desgaste energético pelo esforço para manter controle
– “neurose de domínio”.
v Formas sutis de autopunição – “neurose de culpa”.
v Nítida sensação de que o esforço de melhoria é
infrutífero – “neurose de ansiedade”.
v Acentuada suscetibilidade nos fatos corriqueiros –
“neurose de autopiedade”.
v Surgimento imprevisto e sem razoes de preocupações
inúteis – “neurose de martírio”.
A depressão
assim analisada é uma forma de focar o mundo provocada por fatores intrínsecos,
endógenos, desenvolvidos em milênios de egoísmo e orgulho.
Chamamo-la em nosso plano de “silenciosa
expiação reparadora”.
Acostumados a impor nossos
desejos e a imprimir a marca do individualismo, somos agora chamados pela dor
reeducativa a novos posicionamentos que nos custam, quase sempre, a cirurgia
dos quistos de preensão e onipotência, ao preço de “silenciosa expiação” no
reino da vida mental. Somos “contrariados” pela vida para que eduquemos nossas
potencialidades.
Infelizmente, com raras
exceções, nossos gostos são canteiros de ilusões onde semeamos os interesses
pessoais, em franca indiferença ás necessidades do próximo, colhendo frutos
amargos que nos devolvem à realidade.
Há que se ter muita humildade
para aceitar a vida como ela é, compreender “reclamações” endereçadas à nossa
consciência e tomar uma postura reeducativa. O orgulho é o “manto escuro” que
tecemos com o fio do egoísmo, com o qual procuramos nos proteger da
inferioridade que recalcitramos aceitar em nós mesmos de longa data.
Bom será quando tivermos a
coragem de nos mirar no “espelho da honestidade” e aprender a conduta Excelsa
do perdão, porque quem perdoa conquista sua alforria das celas da mágoa e da
culpa. Conquanto a princípio o sentimento de culpa possa fazer parte da
reconstrução de nossos caminhos, temos a assinalar que a sua presença ainda é
sinal de orgulho por expressar nossa inconformação com o que somos, ou nossa
rebeldia em aceitar nossa falibilidade. Se o orgulho é um “manto”, com o qual
ingenuamente acreditamos estar protegidos dos alvitres vindos de fora concitamo-nos
à autenticidade, a culpa é a lâmina cortante vindo de dentro que nos retira o
controle e exige um novo proceder.
Apesar do quadro expiatório, as depressões reeducativas quando vencidas
trazem como prêmio um extraordinário domínio de si mesmo, sem que isso signifique
“querer viver a vida a seu gosto”, e também um largo autoconhecimento.
Passada a prova, ficará o
aprendizado.
Essa depressão reeducativa
afiniza-se, sobremaneira, com a visão de Fraçois de Genèive porque a maior
aspiração da alma é se libertar das ilusões da vida material e gozar das
companhias eleitas. Assim expressa o autor: “Sê, no curso desse degredo
provação, exonerando-vos dos vossos encargos, sobre vós desabarem os cuidados,
as inquietações e tribulações, sede fortes e corajosos para suportá-los. Afrontai-os
resolutos. Duram pouco e vos conduzirão à companhia dos amigos por quem chorais
e que, jubilosos por ver-vos de novo entre eles, vos estenderão os braços, a
fim de guiar-vos a uma região inacessível às aflições da Terra”.
[1] Reforma Íntima sem Martírio – Wanderley S. de Oliveira
[2] Hospital
[3] Duração sem fim;
eternidade; perpetuidade [ https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/Evos
]
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