terça-feira, 23 de maio de 2017

Um Médium Curador[1]



Senhorita Désirée Godu, de Hennebon (Morbihan)
Pedimos aos nossos leitores que se reportem ao artigo do mês passado sobre os Médiuns Especiais [publicado neste blog em 16/05/2017]; melhor compreenderão os ensinamentos que vamos dar sobre a Srta. Désirée Godu, cuja faculdade oferece um caráter da mais notável especialidade. Há cerca de oito anos, ela passou sucessivamente por todas as fases da mediunidade; a princípio, médium de efeitos físicos muito poderosa, tornou-se, sucessivamente, médium vidente, audiente, falante, escrevente e, finalmente, todas as suas faculdades se concentraram na cura de doentes, que parece ser a sua missão, missão que desempenha com um devotamento e uma abnegação sem limites. Deixemos falar a testemunha ocular, o Sr. Pierre, professor em Lorient, que nos transmite esses detalhes em resposta às perguntas que lhe dirigimos:

A Srta. Désirée Godu, jovem de vinte e cinco anos, pertence a uma família muito distinta, respeitável e respeitada de Lorient; seu pai é um antigo militar, cavaleiro da Legião de Honra, e sua mãe, mulher paciente e laboriosa, ajuda a filha o quanto pode em sua penosa, mas sublime missão. Há mais ou menos seis anos que essa família patriarcal dá esmolas de remédios prescritos e, frequentemente, daquilo que é necessário aos curativos, tanto aos ricos quanto aos pobres que a procuram. Suas relações com os Espíritos começaram no tempo das mesas girantes; então ela residia em Lorient e, durante meses, não se falava senão das maravilhas operadas pela Srta. Godu com as mesas sempre complacentes e dóceis sob suas mãos. Era um privilégio ser admitido às sessões de mesa em sua casa e lá não entrava quem quisesse. Simples e modesta, não buscava pôr-se em evidência.
Entretanto, como bem podeis imaginar, a maledicência não a poupou.
O próprio Cristo foi injuriado, embora só fizesse e ensinasse o bem. É de admirar que ainda se encontrem fariseus, quando ainda há homens que em nada creem? É a sina de todos quantos mostram uma superioridade qualquer serem alvo dos ataques da mediocridade invejosa e ciumenta. Nada lhes custa para derrubar aquele que ergue a cabeça acima do vulgo, nem mesmo o veneno da calúnia; o hipócrita desmascarado jamais perdoa. Mas Deus é justo e quanto mais maltratado for o homem de bem, tanto mais gloriosa será a sua reabilitação e mais humilhante a vergonha de seus inimigos: a posteridade o vingará.
Aguardando sua verdadeira missão que, conforme se diz, deve começar dentro de dois anos, o Espírito que a guia propôs-lhe a de curar todos os tipos de doenças, o que ela aceitou.
Para comunicar-se, ele agora se serve de seus órgãos, muitas vezes à sua revelia, em vez das batidas insípidas das mesas. Quando é o Espírito que fala, o timbre de sua voz já não é o mesmo e os seus lábios não se movem.
A Srta. Godu recebeu apenas uma instrução comum, mas a parte principal de sua educação não devia ser obra dos homens. Quando consentiu em ser médium curador, o Espírito procedeu metodicamente para a sua instrução, sem que ela não visse outra coisa além de mãos. Uma misteriosa personagem lhe punha sob os olhos livros, gravuras ou desenhos, e lhe explicava todo o funcionamento dos órgãos do corpo humano, as propriedades das plantas, os efeitos da eletricidade etc.. Ela não é sonâmbula; ninguém a adormece. É completamente desperta que penetra os doentes com o olhar. O Espírito lhe indica os remédios, que ela geralmente prepara e aplica, cuidando e pensando as mais repugnantes feridas com a dedicação de uma irmã de caridade.
Começaram por lhe dar a composição de certos unguentos que curavam em poucos dias os panarícios e as feridas de pequena gravidade, a fim de lentamente habituá-la a ver, sem muita repulsa, todas as horrendas e repugnantes misérias que deviam aparecer aos seus olhos, pondo a finura e a delicadeza de seus sentidos às mais rudes provas. Não imaginemos nela encontrar um ser sofredor, doentio e fraco; desfruta do mens sana in corpore sano em toda a sua plenitude; longe de cuidar dos doentes por meio de um auxiliar, em tudo ela põe a própria mão, dando conta de tudo, graças à sua robusta constituição. Sabe inspirar aos doentes uma confiança sem limites, acha no coração consolações para todas as dores, tendo à mão remédios para todos os males. É de um caráter naturalmente alegre e jovial. Sua alegria é contagiante como a fé que a anima e atua instantaneamente sobre os doentes. Vi muitos se retirarem com os olhos cheios de lágrimas, doces lágrimas de admiração, de reconhecimento e de alegria. Todas as quintas-feiras, dia de feira, e domingos, das seis horas da manhã até cinco ou seis horas da tarde, a casa não se esvazia. Para ela, trabalhar é orar, e disso se desincumbe com consciência. Antes de ter de tratar os doentes passava dias inteiros confeccionando roupas para os pobres e enxovais para os recém-nascidos, empregando os meios mais engenhosos para que os presentes chegassem ao destino anonimamente, de sorte que a mão esquerda sempre ignorasse o que dava a direita. Possui grande número de certificados autênticos, concedidos por eclesiásticos, autoridades e pessoas notáveis, atestando curas que, em outros tempos, teriam sido consideradas miraculosas.”
Sabemos, por pessoas dignas de fé, que não há o menor exagero no relato que acabamos de transcrever e temos a satisfação de poder assinalar o digno emprego que a Srta. Godu faz da excepcional faculdade de que foi dotada. Esperamos que estes elogios, que temos o prazer de reproduzir no interesse da Humanidade, não alterem sua modéstia, que dobra o valor do bem, e que ela não escute as sugestões do espírito do orgulho. O orgulho é o escolho de um grande número de médiuns e vimos muitos cujas faculdades transcendentes se aniquilaram ou perverteram, desde que deram ouvidos a este demônio tentador. As melhores intenções não dão garantia contra os embustes e é precisamente contra os bons que dirige as suas baterias, pois se satisfaz em fazê-los sucumbir e mostrar que ele é o mais forte; insinua-se no coração com tanta habilidade que muitas vezes o enche sem que o suspeite.
Assim, o orgulho é o último defeito que confessamos a nós mesmos, semelhante a essas moléstias mortais que se tem em estado latente e sobre cuja gravidade o doente se ilude até o último momento. Eis por que é tão difícil erradicá-lo.
A partir do momento que um médium desfrute de uma faculdade, por menos notável que seja, é procurado, elogiado, adulado. Para ele isso é uma terrível pedra de toque, pois acaba se julgando indispensável, se não for essencialmente simples e modesto. Infeliz dele, sobretudo se julgar que somente ele poderá entrar em contato com os Espíritos bons. Custa-lhe reconhecer que foi enganado e, muitas vezes, escreve ou ouve sua própria condenação, sua própria censura, sem acreditar que a ele seja dirigida. Ora, é precisamente essa cegueira que o aprisiona. Os Espíritos enganadores se aproveitam para o fascinar, o dominar, o subjugar cada vez mais, a ponto de lhe fazerem tomar por verdades as coisas mais falsas; é assim que nele se perde o dom precioso, que não havia recebido de Deus senão para se tornar útil aos semelhantes, já que os Espíritos bons sempre se afastam daqueles que preferem escutar os maus. Aquele a quem a Providência destina a ser posto em evidência o será pela força das coisas, e os Espíritos bem saberão tirá-lo da obscuridade, se isso for útil, ao passo que, muitas vezes, quanta decepção para quem é atormentado pela necessidade de fazer falar de si! O que sabemos do caráter da Srta. Godu dá-nos a firme confiança de que ela se encontra acima dessas pequenas fraquezas e, assim, jamais comprometerá, como tantos outros, a nobre missão que recebeu.




[1] Revista Espírita – Março/1860 – Allan Kardec

Um comentário:

  1. Todas as atividades e trabalhos numa casa espírita são importantes e valiosos. E realizá-los com humildade é mais importante ainda. O orgulho é o nosso grande inimigo, é verdade.
    Maria

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