Michael Marshall - BBC Earth
– 01/01/2017
Como a vida começou? Talvez não haja uma pergunta mais complexa do que
essa. Durante grande parte da História, quase todos os povos acreditaram, em
algum momento, que a resposta estava ligada a deuses e religião.
No entanto, durante o último
século cientistas tentaram solucionar esse mistério e tentaram até mesmo
recriar o momento do Gênesis em seus laboratórios.
Até agora ninguém foi capaz de
conseguir isso, mas muitos avanços foram alcançados. Hoje, grande parte dos
cientistas que estudam a origem da vida está confiante de que eles estão no
caminho certo -
e alguns deles têm experimentos para comprovar suas teorias.
A vida é velha. Os dinossauros
são talvez as criaturas extintas mais famosas, e eles tiveram sua origem há 250
milhões de anos. No entanto, a vida na Terra começou muito antes.
Em agosto de 2016 pesquisadores
descobriram micróbios fossilizados há 3,7 bilhões de anos. A Terra não é muito
mais velha do que isso, tendo sido formada há 4.5 bilhões de anos.
Se partirmos do princípio de que
a vida teve origem na Terra, então isso deve ter acontecido entre os bilhões de
anos entre a formação do planeta e a preservação dos fósseis mais antigos já
descobertos.
Assim como podemos limitar um
espaço de tempo de quando isso ocorreu, também há informações para tentarmos
adivinhar de que forma a vida apareceu pela primeira vez.
Desde o século 19, biólogos
sabem que todos os seres vivos são compostos por células. As células foram
descobertas no século 17, mas demorou mais de um século para que alguém
percebesse que elas eram a base de todo tipo de vida.
As primeiras
experiências
Antes dos anos 1880, a maioria
das pessoas acreditava no "vitalismo", um conceito que defendia a
ideia de que todos os seres vivos eram dotados de uma propriedade mágica que os
diferenciava de objetos inanimados.
Mas no começo dos anos 1880
cientistas descobriram diversas substâncias que pareciam ser únicas à vida, como
a ureia.
A descoberta, no entanto, ainda
era compatível com o vitalismo, já que apenas seres vivos eram capazes de criar
essa substância. Em 1828, porém, o químico alemão Friedrich Wöhler descobriu
uma maneira de criar ureia a partir de cianato de amônio, substância que não
tinha conexão óbvia com seres vivos.
Em 1859 houve o maior avanço
científico do século 19: a teoria da evolução, de Charles Darwin, que explicava
como poderíamos ter surgido de um único antepassado em comum - no
entanto, a teoria nada dizia sobre como o primeiro organismo surgiu.
Darwin especulou, em 1871, sobre
o que aconteceria caso uma quantidade pequena de água, cheia de compostos
orgânicos simples, fosse banhada pela luz do sol.
Talvez alguns desses compostos
poderiam fazer combinações para formar uma substância com características
semelhantes à vida, como uma proteína, e poderiam evoluir para se tornar algo
mais complexo.
Era uma ideia inicial que se
tornaria base para a primeira hipótese de como a vida começou.
Em 1924, o cientista soviético
Alexander Oparin publicou seu livro “A Origem da Vida”, no qual argumentava que
as moléculas centrais para a vida teriam surgido na água.
Cinco anos depois, o biólogo
inglês J. B. S. Haldane propôs teorias semelhantes e a ideia de que a vida
surgiu pela primeira vez a partir de uma espécie de "sopa" com
ingredientes orgânicos e químicos ficou conhecida como a Hipótese
Oparin-Haldane.
A hipótese, porém, não contava
com nenhuma evidência experimental que a comprovasse.
Foi só em 1952 que o cientista
Stanley Miller deu início ao mais famoso experimento já feito sobre a origem da
vida: ele conectou uma série de frascos de vidro pelos quais circulavam quatro
compostos químicos que estariam presentes no começo da Terra: água fervendo,
gás hidrogênio, amônia e metano.
Na mistura formada, ele
encontrou dois aminoácidos: glicina e alanina. Aminoácidos são comumente
descritos como os blocos fundamentais para se construir a vida.
A grande polarização
No começo dos anos 50 cientistas
começaram a explorar a possibilidade de que a vida teria sido criada de maneira
espontânea e natural no início da Terra.
Nessa época, muitas moléculas
biológicas já eram conhecidas, entre elas o ácido desoxirribonucleico, ou
"DNA".
Além de carregar nossos genes, o
DNA diz às células como fazer proteínas. Esse processo, no entanto, é
extremamente intrincado e o DNA carrega informações tão preciosas que as
células preferem mantê-lo seguro e copiar essas informações para moléculas
curtas de outra substância chamada ácido ribonucleico, ou RNA. O RNA é
semelhante ao DNA, mas em vez de duplo filamento, tem filamento simples.
Em 1968 o químico britânico
Leslie Orgel sugeriu que a primeira forma de vida não tinha proteínas ou DNA.
Em vez disso, essa forma de vida era composta quase que completamente por RNA.
Ao sugerir que a vida começou
com RNA, Orgel propôs que um aspecto crucial da vida - a sua habilidade de se
reproduzir - aparecia antes de qualquer outro aspecto.
Mas há outras características da
vida que são igualmente essenciais. A mais óbvia delas é o metabolismo: a
habilidade de extrair energia do nosso meio e utilizá-la para nos mantermos
vivos. Para muitos biólogos, o metabolismo seria a característica definitiva e
original da vida.
A busca pelo primeiro
replicante
Em 1986 o cientista Walter
Gilbert, da Universidade Harvard, sugeriu que a vida começou no "Mundo
RNA".
Segundo ele, o primeiro estágio
da evolução consistia de "moléculas de RNA realizando as atividades
catalíticas necessárias para se organizarem em uma sopa de nucleotídeo".
No entanto, nos 30 anos após
Gilbert ter proposto sua teoria ainda não há provas irrefutáveis de que o RNA
consiga fazer tudo o que a teoria demanda dele.
Uma dúvida que se destaca é que
se a vida começou com uma molécula de RNA, o RNA deveria ser capaz de fazer
cópias dele mesmo. Mas nenhuma forma de RNA consegue se autorreplicar. Nem o
DNA consegue isso.
A potência dos
prótons
Nós nos mantemos vivos ao nos
alimentarmos. Esse processo é chamado de metabolismo: primeiro você obtém
energia para depois utilizá-la.
Esse processo é tão essencial
que muitos pesquisadores acreditam que ele pode ter sido a primeira coisa que a
vida fez.
Nos anos 1980 o químico Günter
Wächtershäuser propôs que os primeiros organismos eram "drasticamente
diferentes de qualquer coisa que nós conhecemos". Segundo ele, eles não
eram feitos de células, não tinham enzimas, DNA ou RNA.
Wächtershäuser imaginou um ciclo
metabólico como um ponto de virada: um processo no qual uma substância química
é convertida em uma série de outras substâncias até que, eventualmente, a
substância original é criada novamente. No processo, o sistema inteiro absorve
energia, que pode ser utilizada para reiniciar o ciclo.
Todos os outros componentes de
organismos modernos, como o DNA, células e cérebro, teriam vindo depois,
construídos com base nesses ciclos químicos.
O processo de obtenção de
energia por organismos também chamou a atenção do bioquímico Peter Mitchel, que
passou sua carreira estudando o que é feito com a energia recebida de
alimentos.
Ele sabia que todas as células
armazenam sua energia na mesma molécula: o trifosfato de adenosina (ATP).
Mitchell queria saber como as células produziam o ATP.
Ele também sabia que a enzima
que produz o ATP fica em uma membrana, então ele sugeriu que a célula estava
bombeando partículas carregadas - "prótons" -
através da membrana, então havia muitos prótons de um lado e quase nenhum do
outro.
Os prótons tentariam então fluir
de volta através da membrana para deixar o número de prótons equilibrado em
cada um dos lados -
mas o único lugar pelo qual eles conseguiam passar era a enzima. O fluxo de
prótons passando deu à enzima a energia necessária para fazer o ATP.
Mitchell apresentou sua ideia em
1961 e hoje nós sabemos que o processo identificado por ele é utilizado por
todos os seres vivos. Assim como o DNA, ele é fundamental para a vida.
Usando essa descoberta como
base, o geólogo Mike Russell seguiu a lógica e propôs que a vida deve ter sido
formada em algum lugar com um gradiente de prótons natural, algo parecido a um
respiradouro hidrotérmico.
Em 2000, Deborah Kelley, da
Universidade de Washington, descobriu os primeiros respiradouros alcalinos no
meio do Oceano Atlântico, onde a crosta terrestre está sendo dividida e uma
crista de montanhas está surgindo no fundo do mar.
Nessa crista, Kelley descobriu
um campo de respiradores hidrotérmicos que ela chamou de "A Cidade
Perdida", que abriga densas comunidades de microorganismos.
Esses respiradores deram força à
ideia de Russell e ele ficou convencido de que respiradouros parecidos seriam o
local onde a vida começou. Em 2003 ele se juntou ao biólogo William Martin para
tentar dar substância à sua teoria.
Os respiradouros encontrados por
Kelley eram porosos e cada um desses poros continha substâncias químicas. Combinando
esses poros com o gradiente de prótons natural, esse seria um local ideal para
o metabolismo ser formado.
Uma vez que a vida tivesse
acumulado energia química da água, segundo Russell e Martin, ela começava a
criar moléculas como o RNA. Eventualmente, ela teria criado sua própria
membrana e se transformado em uma célula real, escapando das paredes rochosas e
porosas do respiradouro seguindo rumo ao oceano.
Essa hipótese é considerada uma
das principais para a origem da vida.
Como fazer uma célula
Todos os seres vivos na Terra
são feitos de células. O objetivo de uma célula é manter no mesmo lugar todas
as substâncias essenciais para a vida.
A parede da célula é tão
essencial que muitos pesquisadores argumentam que esta deve ter sido a primeira
característica a ser formada. A teoria tem como seu principal defensor Pier
Luigi Luisi, da Universidade Roma Tre, em Roma, na Itália.
A teoria de Luisi é simples:
como você poderia criar um metabolismo que funciona ou um RNA auto replicante
sem ter um recipiente para manter todas as moléculas juntas?
De alguma maneira, no calor e
nas tempestades do início da Terra, alguns materiais devem ter se juntado em
células brutas, ou "protocélulas".
Em 1994, Luisi sugeriu que as
primeiras protocélulas deveriam ter RNA e esse RNA teria sido capaz de se
replicar dentro da protocélula. Jack Szostak, cientista da Escola de Medicina
de Harvard que pesquisa o RNA, apoiou a ideia de Luisi.
Em 2001 os dois argumentaram, em
um artigo na revista "Nature", que seria possível fazer células vivas
do zero ao hospedar RNAs replicantes dentro de uma bolha oleosa.
Eles começaram a testar a ideia
com protocélulas e eventualmente conseguiram fazer com que elas crescessem.
A dúvida agora era se essas
protocélulas também poderiam se reproduzir e, em 2009, Szostak e um aluno
conseguiram criar uma protocélula longa o bastante que, sob pressão, se
despedaçava em dezenas de pequenas protocélulas descendentes.
Em 2013, Szostak e uma aluna
conseguiram realizar o que Luisi propôs em 1994: fazer com que a replicação e a
compartimentalização acontecessem quase que simultaneamente.
Esse feito inspiraria uma nova
abordagem unificada para encontrar a origem da vida, que tenta provar que todas
as funções da vida foram criadas ao mesmo tempo.
A grande unificação
John Sutherland, do Laboratório
de Biologia Molecular de Cambridge, no Reino Unido, apoia a ideia de que todos
os componentes da vida teriam sido formados ao mesmo tempo.
Sutherland acredita que se
conseguir fazer uma mistura de componentes suficientemente complicada, todos os
componentes da vida podem se formar ao mesmo tempo e, depois, se unirem.
Mas ainda há um problema que nem
Sutherland nem Szostak conseguiram solucionar. O primeiro organismo vivo deve
ter algum tipo de metabolismo, já que desde o começo a vida precisaria
conseguir energia para sobreviver.
"As origens do metabolismo
devem estar lá de alguma maneira", disse Szostak. "A fonte de energia
química será a grande questão agora."
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