Jorge Hessen
Auroville é uma pequena cidade localizada na
Índia. Foi fundada em 1968 pelo casal Sri Aurobindo e Mirra Alfassa. Ali, todos
os moradores recebem um salário mínimo e podem trabalhar com o que se adaptem.
É uma urbe que não tem políticos ou classes sociais. Não há religião oficial e
o dinheiro é de somenos importância. Atualmente, cerca de duas mil pessoas
moram na cidade, que tem capacidade de acolher até 50 mil habitantes.
É uma cidade autossustentável,
tem campos cultiváveis, pequenas fábricas, restaurantes, padarias, hospitais,
escolas e cinemas, além de um pequeno jornal local, tudo alimentado por energia
solar. Não existe prefeito, governador ou secretários. Sempre que surge um
problema, uma assembleia é convocada e os cidadãos da comunidade elegem um conselho
para solucioná-lo.
Os habitantes de Auroville são
livres para exercer seus rituais e acreditar no que quiserem, desde que não
incomodem ou tentem pregar suas crenças aos concidadãos. Para residir na
cidade, o interessado precisa comprar uma casa, que custa em média 3 mil
dólares. No primeiro ano que passa na cidade, o novato é observado e avaliado
pela comunidade. Depois de um ano, período que eles chamam de “estágio”, os
cidadãos de Auroville decidem se a pessoa pode ou não permanecer entre eles.
Observamos ser um lugar apinhado
de utopias e talvez não muito encantador, pois com meio século de existência e
com capacidade para receber até 50 mil moradores, hoje só habitam cerca de duas
mil pessoas. Como disse, deve ser um lugar pouco atraente, ou os cidadãos de
Auroville devem ser intransigentes (pouco democráticos, diria!). Pode ser que o
processo de seleção pela comunidade sobre os que podem ou não residir na cidade
(após um ano de “estágio” no local) seja muito rígido ou discriminatório,
sabe-se lá!…
Talvez tenham conquistado em
Auroville a virtual igualdade dos “bens”, mas convidamos os leitores a
meditarem aqui acerca da teoria da desigualdade das riquezas conforme ensinou
Kardec, demonstrando que o princípio da pluralidade das existências pode oferecer
a real explicação sobre as dessemelhanças dos “bens” na Terra.
Sabemos que há “espíritas
progressistas”, que apontam Kardec como um ingênuo por ter explanado sobre a
desigualdade das riquezas explicando-a sob a lei da reencarnação. Evocam tais
“espíritas progressistas” que o proprietário dos meios de produção gera
riquezas só para si, enquanto aos que trabalham resta o salário, representando
apenas uma parte da riqueza gerada. Creem no lema “de cada qual, segundo sua
capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”, por isso os “espíritas
progressistas” divergem de Kardec, dizendo que o Codificador se equivocou
quando afirmou que é um ponto matematicamente demonstrado que a fortuna
igualmente repartida daria a cada qual uma parte mínima e insuficiente.
Kardec assegurou também que se
houvesse a repartição dos bens materiais (riqueza), o equilíbrio estaria
rompido em pouco tempo, pela diversidade dos caracteres e das aptidões. Tal
verdade espírita é intolerável para os “espíritas progressistas”, pois estes
defendem a distribuição irrestrita dos bens produzidos pelas empresas a fim de
que os proletários possam viver na prerrogativa e violência ideológica do
infausto igualitarismo; os “espíritas progressistas” idealizam uma sociedade
altruísta (à moda deles), sem valorizar as legítimas conquistas individuais
para a boa performance das estruturas sociais.
Quando Kardec afirmou que se a
repartição da riqueza fosse possível e durável, cada um tendo apenas do que
viver, e que seria o aniquilamento de todos os grandes trabalhos que concorrem
para o progresso e o bem-estar da Humanidade, os “espíritas progressistas”
blasonaram que isso representa uma blasfêmia, pois as tecnologias produzidas
têm atendido fundamentalmente às necessidades supérfluas da grande massa de
consumidores – portanto, pessoas que já possuem o necessário podem utilizar a
sua riqueza para o consumo do supérfluo.
Gritam furiosamente os tais
“espíritas progressistas”, levantando por que supor que Deus é o agente da
concentração de riquezas? Bradam, então, que a riqueza concentra-se pelo
simples fato de que quem já possui fortuna tem mais chances de vencer num
mercado competitivo, e assim acumular mais riqueza num movimento crescente de
concentração de capital. Como se observa uma, dedução horizontalizada,
superficial, mecanicista e nada razoável dos “insurgentes progressistas”, que
insistem em dizer que isso não significa que devamos “ler a realidade” como um
“plano de Deus”.
Creem os “progressistas” que a
riqueza pode e deve ser concentrada sob a propriedade coletiva (sic), visando
exclusivamente o benefício geral da humanidade, não permitindo a desigualdade
de riqueza, pois assim toda a sociedade acaba “refém” da decisão do
endinheirado de bem ou mal utilizar a riqueza. Além do quê, a sua apropriação
fica sendo necessariamente injusta, já que os trabalhadores que recebem salário
como remuneração pela venda de sua força de trabalho não ganham integralmente
por toda a riqueza por eles produzida.
Expõem ainda os “progressistas”
que em dez anos, no Brasil, as desordens distributivas estão na ordem do dia,
pois os ricos se tornaram mais ricos, os pobres se tornaram menos pobres e uma
certa classe média tradicional viu sua posição relativa em relação a essas duas
outras camadas prejudicada. A classe média perdeu status. Os ricos se
distanciaram e os pobres se aproximaram, daí o conflito atual. Que saibam
utilizar a inteligência a fim de entenderem que “as classes [sociais] existiram
e existirão sempre, o que porém deve preocupar, e é racional estabelecer a
solidariedade entre elas, a conciliação de seus interesses, a multiplicação
urgente das leis de assistência social, únicas alavancas mantenedoras da ordem [2]”.
É bem verdade que a desigualdade
social ou econômica é um problema presente em todos os países (ricos ou
pobres), decorrente da má distribuição de renda e, ademais, pela falta de
investimento na área social. Compreendemos que uma repartição mais equitativa
dos “bens” é imprescindível. Há “trocentas” teorias sociológicas, mil sistemas
diferentes, tendendo a reformar a situação das classes desprovidas, a assegurar
a cada um, pelo menos, o estritamente necessário. Ótimo!
Mas, infelizmente, noutro
cenário, ao invés da recíproca tolerância que deveria aproximar os homens, a
fim de lhes permitir estudar em conjunto e resolver os mais graves problemas
sociais, tem sido com violência e atualmente no Brasil com ameaça na boca
(verbal e saliva hostil ou “cuspidela”) que o militante reivindica seu lugar na
ágape social. Outrossim, é uma lástima ver o endinheirado aguilhoado no seu
egoísmo e recusando a ofertar aos famintos as menores migalhas da sua fortuna.
Dessa forma, um muro tem separado ambos, e os quiproquós, as selvagerias, as
cupidezes, as animosidades, os desrespeitos acumulam-se dia a dia.
Politicamente sabemos que as
leis elaboradas pelos legisladores podem, de momento, modificar o exterior, mas
não logram mudar a intimidade do coração humano; daí vem serem os decretos de
duração efêmera e quase sempre seguidos de uma reação mais depravada. A origem
do mal reside no egoísmo e no orgulho. Os abusos de toda espécie cessarão
quando os homens se regerem pela lei da caridade.
Para confirmar as magníficas
teses de Kardec sobre o assunto, reflitamos com Emmanuel: “A desigualdade
social é o mais elevado testemunho da verdade da reencarnação, mediante a qual
cada espírito tem sua posição definida de regeneração e resgate. Nesse caso,
consideramos que a pobreza, a miséria, a guerra, a ignorância, como outras
calamidades coletivas, são enfermidades do organismo social, devido à situação
de prova da quase generalidade dos seus membros. Cessada a causa patogênica com
a iluminação espiritual de todos em Jesus-Cristo, a moléstia coletiva estará
eliminada dos ambientes humanos [3]”.
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