Adriano Calsone
Em janeiro de 1858, ao lançar a Revista Espírita para o mundo, Allan
Kardec escreve uma expressão de grande utilidade, dizendo aos seus leitores que
“discutiremos, mas não disputaremos”. Fazendo isso, o mestre enaltece o
periódico espírita como tribuna aberta à discussão, longe dos comentários
escandalosos, das queixas vexatórias, dos azedumes sem fim, ou mesmo dos
apontamentos irônicos.
Kardec sabia muito bem que as referências
verbais ou escritas são fatores de indução e, como na Doutrina Espírita não há
lugar para fé cega, é essencial evitarmos as vãs indagações, as críticas
mordazes e as especulações insensatas.
A casa espírita é ambiente positivado no amor,
que sempre nos convida a substituir a crítica pelo apoio fraterno no trabalho
coletivo. E mesmo quando estamos intimados ao serviço de correção no centro
espírita, sugere-se nunca executá-lo sem nos colocarmos no lugar do companheiro
passível de reprimenda, para que a nossa palavra perca a propriedade de ferir.
Então, devemos evitar
as críticas no meio espírita?
Não exatamente! Todas as
críticas, seguras e construtivas, elevam-se à feição crítica no centro-espírita
de advertências preciosas na base do dever. Quando sensata e sincera, conduz à
prática segura da vigilância, permitindo-nos utilizar o crivo da razão de que
tanto nos recomendou Kardec. A crítica agregadora não nos abdica de pensar com
a razão, que é um direito supremo e dever intocável do espírito.
Quando Espírito Emmanuel, por meio da
psicografia de Chico Xavier, sugere sermos guiados pela misericórdia e não pela
crítica, o benfeitor refere-se às acusações surdas que nascem do orgulho, e não
às críticas positivas que brotam espontâneas do julgamento imparcial e
fraterno, objetivando sempre corrigir ou ajudar. E o seu lema, “valorizar o
esforço alheio”, não implica a valorização dos erros e dos enganos do próximo,
mas o reconhecimento dos esforços empreendidos por todos a favor da causa
comum.
Formas diferentes de
criticar
Na década de 1970, o insigne
escritor espírita, Herculano Pires, publicou o seu ensaio “A pedra e o Joio”.
Alguns espiritistas, à época, muito questionaram as atitudes do nobre professor
por ter dirigido suas críticas, por meio do ensaio, a outro espírita
importante, o Sr. Hernani Guimarães Andrade. Em verdade, o que a maioria dos
acusadores não considerou é que Herculano tecia críticas à obra do Sr. Hernani,
denominada “A Teoria Corpuscular do Espírito”. Portanto, suas críticas
literárias estavam direcionadas aos pensamentos de Hernani, e não aos seus
propósitos, que eram positivos em prol da Doutrina. Assim, tendo a sapiência e
o cuidado de diferenciar autor de autoria, escreveu Herculano:
“As intenções do Sr. Guimarães
Andrade são boas. Seu desejo expresso é o de colaborar para que o Espiritismo
se firme no meio científico. Não obstante, verá o leitor que a teoria
corpuscular se propõe a reformar a doutrina espírita e a substituí-la. Toda a
codificação Kardeciana é considerada como coisa do passado. Essa a razão que
nos levou a examinar a teoria.”
Na crítica aprofundada que faz
da Teoria Corpuscular do Espírito, examinando a teoria e não os propósitos do
autor, professor Herculano (cujo Emmanuel afirmou ser “o metro que melhor mediu
Kardec; a maior inteligência espírita contemporânea”) esclarece ser a palavra
crítica usada em seu ensaio “no sentido clássico de avaliação de uma obra ou de
uma teoria, e não no sentido popular de censura ou maledicência”. Disse ainda
professor Herculano que “a crítica como avaliação é indispensável ao
desenvolvimento da cultura, ao aprimoramento da inteligência”.
As críticas
destrutivas no dia-a-dia
Sabemos o quanto as realizações
úteis na Terra exigem paciência e suor, trabalho e sacrifício de todos nós. Se
edificar é muito difícil, destruir e eliminar é muito fácil. Assim, a crítica
destrutiva é um tipo de martelo pesado que usamos no calor do crime, ante o
respeitável esforço alheio. Em verdade, o odioso fermento da crítica e da
intolerância é semelhante à soda cáustica sobre a ferida ou ao petróleo no
incêndio.
Em nossos dias, é sabido que as acusações e as
censuras por meio da crítica mordente e da ironia venenosa agravam o desprezo
para conosco próprios e a revolta para com os outros. Se tivermos, portanto, que
condenar esse ou aquele irmão de trabalho ou de luta, ao invés de amargurá-lo
ou complicá-lo usando irritação e azedume, vamos auxiliá-lo com o nosso próprio
exemplo.
Autocrítica no centro
espírita
Por meio do excelente livro “Desobsessão”,
ditado pelo espírito André Luiz, psicografias de Chico Xavier e Waldo Vieira,
selecionamos alguns valiosos ensinamentos de como podemos exercitar a
autocrítica, que são qualidades essenciais para praticarmos, com discernimento,
as nossas lides coletivas nas casas espíritas:
· Abstenção de
melindres ante apontamentos dos esclarecedores ou dos companheiros,
aproveitando observações e avisos para melhorar-se em serviço;
· Compreensível
rogar aos colaboradores da tarefa a total abstenção de temas contrários à
dignidade do trabalho que vão desempenhar;
·
Evitem-se os
anedotários jocosos, as considerações injuriosas a quem quer que seja;
·
Esqueçam-se
críticas, comentários escandalosos, queixas, azedumes, apontamentos irônicos.
Por fim, ante a autocrítica –
obrigação nossa de cada dia –, que sejamos fiscais de nós mesmos para que não
nos apresentemos como verdugo dos outros. E reparando os nossos próprios atos,
que possamos viver hoje a posição do juiz de nós próprios, a fim de que amanhã,
não amarguemos a tortura do réu.
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