Lucía Blasco - BBC Mundo –
02/01/2016
Uma mulher cega (que não é a da
foto) que tem mais de 10 identidades diferentes e pode enxergar com uma delas
ajudou a compreender como o cérebro pode controlar o fluxo de informação visual
Ela tinha 33 anos quando visitou
pela primeira vez a clínica psiquiátrica do médico alemão Bruno Waldvogel
acompanhada de seu cão-guia, como costumava fazer há mais de uma década.
Tinha perdido a visão por
completo havia 13 anos, após sofrer um acidente traumático sobre o qual os
médicos não fornecem detalhes.
Na época, ela foi diagnosticada
com cegueira cortical, causada – de acordo com seu laudo médico – pelo dano
cerebral ocasionado pelo acidente.
Mas os motivos que a levaram à
clínica de Waldvogel não tinham a ver com a cegueira.
A protagonista desta história,
cujas iniciais são B.T., também sofria de transtorno dissociativo de identidade
(múltipla personalidade) desde antes do evento traumático.
Personalidades
diferentes
"Ela apresentava mais de 10
personalidades", diz artigo assinado pelo doutor Waldvogel e por Hans
Strasburger, professor assistente de psicologia médica do Instituto de Medicina
Psicológica de Munique, e que também tratou a paciente.
"Ela mudava de identidade
espontaneamente. Em cada personalidade adotava nome, idade, gênero, atitudes e
temperamento diferentes", relata o artigo, recentemente publicado na
revista especializada PsyCh Journal.
"Em alguns casos, a
paciente falava até mesmo línguas diferentes; às vezes só inglês, outras alemão
e, algumas vezes, os dois idiomas misturados."
Segundo a análise médica, a
paciente havia vivido alguns anos, durante sua infância, em um país de língua
inglesa. Por isso conhecia o idioma.
"O mais surpreendente foi
quando, na quarta consulta, encarnando a identidade de um garoto adolescente,
ela recuperou a visão de repente", disse à BBC o professor Strasburger.
"A paciente reconheceu
algumas palavras no título de uma revista. No princípio eram só letras, mas
depois, muito rapidamente, começou a visualizar objetos, até que chegou a
recuperar a visão por completo."
Os médicos começaram a utilizar
técnicas de hipnose terapêutica, e a capacidade visual de B.T. "se
estendeu a outras identidades ou estados de personalidade", segundo o
trabalho publicado.
Para cada identidade, B.T. tinha
um nome, um gênero e às vezes até um idioma diferente
Cegueira
'psicológica'
"É incrível como esta
paciente é capaz de mudar de um estado a outro, de modo que às vezes ela
enxerga e outras vezes não. É o primeiro caso que se conhece dessas
características", disse Strasburger.
Segundo o especialista, nenhum
de seus colegas havia ouvido falar de um algo parecido.
Waldvogel e Strasburger chegaram
à conclusão de que o primeiro diagnóstico havia sido equivocado: a cegueira de
B.T. não era cortical, porque não se devia ao traumatismo cranioencefálico
causado pelo acidente.
Se tratava de uma cegueira
"psicológica", ou uma "perturbação psicógena da visão", tal
como a descreveu Sigmund Freud em 1910.
"Não é algo tão raro, às
vezes acontece e é um conceito que se conhece há muitos anos", explica
Strasburger.
"O que nunca havia ocorrido
até agora é que uma pessoa pudesse ser cega e ver ao mesmo tempo, de acordo com
a personalidade que adote."
De acordo com o médico, a
paciente já não está em tratamento e sua situação atual é a de uma pessoa cega
que, de vez em quando, consegue ver.
Algumas das conclusões mais
interessantes do trabalho, segundo Strasburger, se referem às "implicações
da capacidade cerebral para controlar o fluxo de informação visual".
"As pessoas com cegueira
por dano cerebral dificilmente recuperam a visão e, se o fazem, isso leva
muitos anos", disse.
"O fato de que B.T. ter
recuperado a visão repentinamente é muito revelador."
O cérebro, grande
desconhecido
Para médicos, caso demonstra que
distúrbios mentais podem desencadear impactos fisiológicos como a cegueira
psicológica
Neste caso, para poder
identificar a atividade cerebral da paciente, os médicos inseriram eletrodos na
parte posterior de sua cabeça, com o objetivo de medir a resposta do sistema
nervoso central aos estímulos sensoriais, o que se conhece como "potencial
visual evocado" (PEV).
"Normalmente, a informação
viaja do olho até o tálamo (no centro do cérebro) e depois até a parte
posterior, no córtex visual", diz o médico.
No entanto, os psiquiatras
descobriram, graças a essa técnica, que a informação era "bloqueada"
no cérebro de B.T. e não chegava a seu destino final.
"Esse caso mostra como o
cérebro é capaz de bloquear informação e também revela que há uma base
biológica nos transtornos visuais psicógenos e de múltiplas personalidades."
O especialista afirma que muitas
pessoas creem que os as pessoas com cegueira psicológica "fingem não
ver", mas não é o que ocorre porque, de fato, "há mecanismos no
cérebro que o impedem".
De acordo com os médicos, o caso
de B.T. demonstra que as diferenças entre seus estados da personalidade
"variam de acordo com a informação sensorial e têm fundamentos
biológicos".
"Agora mesmo você e eu estamos tendo uma conversa. Você
tem a sua personalidade e eu tenho a minha. Mas elas são, de alguma forma,
inventadas: foram criadas em alguma parte de nosso cérebro", diz
Strasburger.
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