quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

“É preciso estimular a curiosidade intelectual das pessoas e o gosto pelo estudo do Espiritismo”[1]



Ivan Franzolim[2]


O conhecido escritor e divulgador do Espiritismo analisa o atual momento por que passa o movimento espírita em nosso País.

 Na presente entrevista, o foco central é o atual momento por que passa o movimento espírita, que convive com diversas correntes de pensamentos divergentes e até conflitantes. Como exemplos, há forte religiosismo por um lado e cientificismo por outro. Há kardecistas ortodoxos e os seguidores de entidades espirituais. Aqueles que acham que o Espiritismo está ultrapassado, outros que alardeiam a força das trevas. Aqueles que trazem a público verdades absolutas e nunca teses para discussão, outros que querem implantar um movimento de humanismo.   

 O que tem contribuído para o nascimento dessas correntes divergentes? Será possível evitar ou minimizar o nascimento de novas correntes com entendimentos contraditórios?

 Penso que a existência de formas diferentes de entender a doutrina é salutar e desejável, desde que estejam bem fundamentadas, abertas ao estudo e à investigação. A origem parece residir na interpretação muitas vezes apressada e formulada conforme o gosto e a preferência das pessoas e também de Espíritos que influenciam seus médiuns. Isso ajuda a aumentar a quantidade dessas correntes sem embasamento que atrapalham a compreensão do Espiritismo. A solução reside no estudo aprofundado da doutrina espírita, na formulação de teses para discussão pública e em especial na comunicação correta do conhecimento espírita por parte de todos, espíritas e instituições.

Quais são as possíveis consequências para o Movimento Espírita e para a Doutrina se nada for feito?

 Primeiro, a descaracterização da Doutrina Espírita, que é, por natureza, crítica e investigativa. Toda ideia colocada para o público com interpretações diferentes deveria ser estudada para apontar as novidades com potencial de desenvolvimento de outras sem fundamentações lógicas ou baseadas simplesmente em opiniões. Isso causa confusão por parte dos espíritas iniciantes que não possuem conhecimento para analisar e concluir, aumentando o entendimento equivocado do Espiritismo.

Qual será, neste contexto, o papel dos dirigentes e comunicadores espíritas?

 Estimular a curiosidade intelectual das pessoas, o gosto pelo estudo do Espiritismo sem o comodismo que logo aceita a primeira argumentação e sem os excessos dos que se aproximam do fanatismo. Desenvolver nos Centros Espíritas cursos da doutrina que não sejam apenas informativos, mas que estimulem os alunos a questionarem e pensarem logicamente, que sejam bem estruturados e baseados no estudo particularizado, pesquisas, trabalhos em grupo, apresentações de resultados e avaliações. Incentivar e desenvolver críticas de livros e teses com o imprescindível respeito aos autores. Avaliar constantemente a forma como estão comunicando o Espiritismo e implementar as correções necessárias.

A produção de livros espíritas cresceu muito nos últimos anos, mas têm surgido obras duvidosas com mais potencial para desvirtuar o correto entendimento da Doutrina Espírita do que de contribuir. Como o Movimento Espírita deve lidar com isso?

 Alguns falam em proibir a comercialização das obras consideradas duvidosas nas casas espíritas. Não concordo. Isso contribuiria para um processo de manipulação ou alienação que considero pior. Temos de considerar também que toda proposição encerra uma possibilidade de aprendizado, ou incorporando coisas novas, ou reforçando entendimentos anteriores. É necessário mais informação aos espíritas por parte das instituições, de maior estímulo ao desenvolvimento da curiosidade intelectual e ao apreço da integralidade da doutrina espírita.  Deve haver mais análise crítica das obras tanto individualmente como nos cursos espíritas.

 Cerca de 15 mil Centros Espíritas reúnem diariamente espíritas e simpatizantes em todo o Brasil. É por meio deles que as pessoas conhecem o Espiritismo e formam seu entendimento. Se o Centro tiver práticas e interpretações divergentes ou conflitantes com a Doutrina, eles serão repassados a seus frequentadores que por sua vez repassarão às pessoas dos seus círculos de relacionamento. Como ajudar os Centros Espíritas a entenderem corretamente o Espiritismo, praticarem atividades coerentes e comunicarem bem seu conhecimento?

 Toda instituição sofre a influência do modo de pensar de seus dirigentes, que influenciam os trabalhadores que um dia também terão papel de liderança e tenderão a manter as mesmas ideias. Torna-se um círculo vicioso que é difícil de mudar, pois as pessoas envolvidas não conseguem enxergar e resistem às mudanças. Para quebrar esse movimento deve-se estimular o diálogo aberto, a liberdade de pensar dentro das instituições, o questionamento das ideias e práticas, o estudo bem realizado do Espiritismo e a renovação das lideranças.

Aumentou muito a participação das pessoas na internet e nas redes sociais. Todos sentem que podem contribuir com suas visões de mundo e do pensamento espírita. Com relação aos Centros Espíritas, o que está sendo bem feito e o que deve ser repensado?

 A tecnologia tem possibilitado a manifestação pública do pensamento de qualquer pessoa. Isso é muito bom e deve ser canalizado para a produção de conteúdo bem fundamentado e respeitoso com as ideias divergentes. Por exemplo, as casas espíritas deveriam incentivar seus participantes a publicarem internamente seus artigos e estudos que ficariam disponíveis não nas tradicionais bibliotecas, mas em Centros de Conhecimento.

Com relação às iniciativas dos espíritas, o que se deve incentivar ou inibir?

 Tenho visto muitas páginas de Centros Espíritas apresentando ótimo conteúdo informativo da doutrina, das suas atividades, obras sociais e sua história. Incluem artigos, histórico, download de livros e apostilas. Divulgam suas campanhas e indicam links de interesse. Outras iniciativas deveriam ser evitadas ou revistas, como: pedidos de oração, envio de dados para vibração, atendimento espiritual à distância, passe virtual.

Parece haver uma tendência de as casas espíritas assumirem um comportamento sectário, apartado da sociedade, partindo da premissa que todo modo de pensar diferente da sua interpretação do Espiritismo está errado e não deve ter atenção. Produzem músicas, teatros, pinturas, filmes adjetivados como “espírita”, com a expectativa de serem apreciados pelos espíritas independentemente de sua qualidade e real contribuição. Esse tipo de comportamento das lideranças influencia os trabalhadores e frequentadores que, por sua vez, irão influenciar o conteúdo das comunicações sobre o Espiritismo, o que não parece salutar para o desenvolvimento da doutrina e integração das pessoas e instituições à sociedade. Qual sua visão sobre o assunto e o que poderia ser feito pelas instituições e formadores de opinião para minimizar essa situação?

 Esse tipo de comportamento é preocupante, pois dissemina crenças que não estão corretamente fundamentadas na doutrina. Temos de considerar que o Espiritismo não nasceu completo e não deve desprezar nenhuma ciência, filosofia ou doutrina para se buscar a verdade, como, aliás, foi dito pelos Espíritos a Kardec. Isso não quer dizer que devemos aceitar qualquer novidade, mas que devemos estudá-las. Creio que a maioria das ações que podemos pensar passaria pelo filtro dessas lideranças que também são formadoras de opinião e possuem maior influência, uma vez que estão mais próximas dos trabalhadores e frequentadores. A dificuldade estaria em atingir essas lideranças ou de alcançar seus liderados por meio de ações de comunicação dos comunicadores conscientes dessa situação, utilizando todos os canais disponíveis, como palestras, sites, blogs, vídeos, redes sociais, livros, e-mail etc. Com relação às expressões artísticas rotuladas como “espíritas”, deveriam receber críticas quanto à qualidade e à identificação dos nomes dos autores espirituais.




[2] Ivan Franzolim, espírita de berço, nasceu e reside em São Paulo (SP). Formado em Administração, com pós-graduação em Comunicação Social pela Cásper Líbero e em Marketing de Serviços pela Fundação Getúlio Vargas, é escritor, articulista, palestrante e fundador da ADE-SP - Associação de Divulgadores do Espiritismo de São Paulo. Atua no Movimento Espírita desde 1984 colaborando com pesquisas e apoio para as áreas de comunicação e gestão da casa espírita.

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