Ivan Franzolim[2]
O conhecido escritor e
divulgador do Espiritismo analisa o atual momento por que passa o movimento
espírita em nosso País.
Na presente entrevista, o foco central é o
atual momento por que passa o movimento espírita, que convive com diversas
correntes de pensamentos divergentes e até conflitantes. Como exemplos, há
forte religiosismo por um lado e cientificismo por outro. Há kardecistas
ortodoxos e os seguidores de entidades espirituais. Aqueles que acham que o
Espiritismo está ultrapassado, outros que alardeiam a força das trevas. Aqueles
que trazem a público verdades absolutas e nunca teses para discussão, outros
que querem implantar um movimento de humanismo.
O que tem contribuído para o nascimento dessas
correntes divergentes? Será possível evitar ou minimizar o nascimento de novas
correntes com entendimentos contraditórios?
Penso que a existência de formas diferentes de
entender a doutrina é salutar e desejável, desde que estejam bem fundamentadas,
abertas ao estudo e à investigação. A origem parece residir na interpretação
muitas vezes apressada e formulada conforme o gosto e a preferência das pessoas
e também de Espíritos que influenciam seus médiuns. Isso ajuda a aumentar a
quantidade dessas correntes sem embasamento que atrapalham a compreensão do
Espiritismo. A solução reside no estudo aprofundado da doutrina espírita, na
formulação de teses para discussão pública e em especial na comunicação correta
do conhecimento espírita por parte de todos, espíritas e instituições.
Quais são as possíveis
consequências para o Movimento Espírita e para a Doutrina se nada for feito?
Primeiro, a descaracterização da Doutrina Espírita,
que é, por natureza, crítica e investigativa. Toda ideia colocada para o
público com interpretações diferentes deveria ser estudada para apontar as
novidades com potencial de desenvolvimento de outras sem fundamentações lógicas
ou baseadas simplesmente em opiniões. Isso causa confusão por parte dos
espíritas iniciantes que não possuem conhecimento para analisar e concluir,
aumentando o entendimento equivocado do Espiritismo.
Qual será, neste
contexto, o papel dos dirigentes e comunicadores espíritas?
Estimular a curiosidade intelectual das
pessoas, o gosto pelo estudo do Espiritismo sem o comodismo que logo aceita a
primeira argumentação e sem os excessos dos que se aproximam do fanatismo.
Desenvolver nos Centros Espíritas cursos da doutrina que não sejam apenas
informativos, mas que estimulem os alunos a questionarem e pensarem
logicamente, que sejam bem estruturados e baseados no estudo particularizado,
pesquisas, trabalhos em grupo, apresentações de resultados e avaliações.
Incentivar e desenvolver críticas de livros e teses com o imprescindível
respeito aos autores. Avaliar constantemente a forma como estão comunicando o
Espiritismo e implementar as correções necessárias.
A produção de livros
espíritas cresceu muito nos últimos anos, mas têm surgido obras duvidosas com
mais potencial para desvirtuar o correto entendimento da Doutrina Espírita do
que de contribuir. Como o Movimento Espírita deve lidar com isso?
Alguns falam em proibir a comercialização das
obras consideradas duvidosas nas casas espíritas. Não concordo. Isso
contribuiria para um processo de manipulação ou alienação que considero pior.
Temos de considerar também que toda proposição encerra uma possibilidade de
aprendizado, ou incorporando coisas novas, ou reforçando entendimentos anteriores.
É necessário mais informação aos espíritas por parte das instituições, de maior
estímulo ao desenvolvimento da curiosidade intelectual e ao apreço da
integralidade da doutrina espírita. Deve
haver mais análise crítica das obras tanto individualmente como nos cursos
espíritas.
Cerca de 15 mil Centros Espíritas reúnem
diariamente espíritas e simpatizantes em todo o Brasil. É por meio deles que as
pessoas conhecem o Espiritismo e formam seu entendimento. Se o Centro tiver
práticas e interpretações divergentes ou conflitantes com a Doutrina, eles
serão repassados a seus frequentadores que por sua vez repassarão às pessoas
dos seus círculos de relacionamento. Como ajudar os Centros Espíritas a
entenderem corretamente o Espiritismo, praticarem atividades coerentes e
comunicarem bem seu conhecimento?
Toda instituição sofre a influência do modo de
pensar de seus dirigentes, que influenciam os trabalhadores que um dia também
terão papel de liderança e tenderão a manter as mesmas ideias. Torna-se um círculo
vicioso que é difícil de mudar, pois as pessoas envolvidas não conseguem
enxergar e resistem às mudanças. Para quebrar esse movimento deve-se estimular
o diálogo aberto, a liberdade de pensar dentro das instituições, o
questionamento das ideias e práticas, o estudo bem realizado do Espiritismo e a
renovação das lideranças.
Aumentou muito a
participação das pessoas na internet e nas redes sociais. Todos sentem que
podem contribuir com suas visões de mundo e do pensamento espírita. Com relação
aos Centros Espíritas, o que está sendo bem feito e o que deve ser repensado?
A tecnologia tem possibilitado a manifestação
pública do pensamento de qualquer pessoa. Isso é muito bom e deve ser
canalizado para a produção de conteúdo bem fundamentado e respeitoso com as
ideias divergentes. Por exemplo, as casas espíritas deveriam incentivar seus
participantes a publicarem internamente seus artigos e estudos que ficariam
disponíveis não nas tradicionais bibliotecas, mas em Centros de Conhecimento.
Com relação às iniciativas
dos espíritas, o que se deve incentivar ou inibir?
Tenho visto muitas páginas de Centros
Espíritas apresentando ótimo conteúdo informativo da doutrina, das suas
atividades, obras sociais e sua história. Incluem artigos, histórico, download
de livros e apostilas. Divulgam suas campanhas e indicam links de interesse.
Outras iniciativas deveriam ser evitadas ou revistas, como: pedidos de oração,
envio de dados para vibração, atendimento espiritual à distância, passe
virtual.
Parece haver uma tendência
de as casas espíritas assumirem um comportamento sectário, apartado da
sociedade, partindo da premissa que todo modo de pensar diferente da sua
interpretação do Espiritismo está errado e não deve ter atenção. Produzem
músicas, teatros, pinturas, filmes adjetivados como “espírita”, com a
expectativa de serem apreciados pelos espíritas independentemente de sua
qualidade e real contribuição. Esse tipo de comportamento das lideranças
influencia os trabalhadores e frequentadores que, por sua vez, irão influenciar
o conteúdo das comunicações sobre o Espiritismo, o que não parece salutar para
o desenvolvimento da doutrina e integração das pessoas e instituições à
sociedade. Qual sua visão sobre o assunto e o que poderia ser feito pelas
instituições e formadores de opinião para minimizar essa situação?
Esse tipo de comportamento é preocupante, pois
dissemina crenças que não estão corretamente fundamentadas na doutrina. Temos
de considerar que o Espiritismo não nasceu completo e não deve desprezar
nenhuma ciência, filosofia ou doutrina para se buscar a verdade, como, aliás,
foi dito pelos Espíritos a Kardec. Isso não quer dizer que devemos aceitar
qualquer novidade, mas que devemos estudá-las. Creio que a maioria das ações
que podemos pensar passaria pelo filtro dessas lideranças que também são
formadoras de opinião e possuem maior influência, uma vez que estão mais
próximas dos trabalhadores e frequentadores. A dificuldade estaria em atingir
essas lideranças ou de alcançar seus liderados por meio de ações de comunicação
dos comunicadores conscientes dessa situação, utilizando todos os canais
disponíveis, como palestras, sites, blogs, vídeos, redes sociais, livros,
e-mail etc. Com relação às expressões artísticas rotuladas como “espíritas”,
deveriam receber críticas quanto à qualidade e à identificação dos nomes dos
autores espirituais.
[2] Ivan Franzolim, espírita de berço, nasceu e reside em
São Paulo (SP). Formado em Administração, com pós-graduação em Comunicação
Social pela Cásper Líbero e em Marketing de Serviços pela Fundação Getúlio
Vargas, é escritor, articulista, palestrante e fundador da ADE-SP - Associação
de Divulgadores do Espiritismo de São Paulo. Atua no Movimento Espírita desde
1984 colaborando com pesquisas e apoio para as áreas de comunicação e gestão da
casa espírita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário