domingo, 3 de janeiro de 2016

Conflitos emocionais geram transtornos psíquicos e orgânicos[1]


 
Kátia Curugi Flocke
 
Hoje, temos condição de afirmar que o Homem é um ser biológico, psicológico, social e espiritual. Não dá mais para negar sequer um desses aspectos, que formam o Homem integral. Sabemos que nem todas as pessoas aderem a esse conceito, mas nem por isso ele deixa de ser uma afirmação para aqueles que estudam, pesquisam e se fundamentam no Homem como um ser progressivo e evolutivo.
E quanto mais refletimos sobre o Homem numa visão integral, poderemos despertar a consciência de que nosso maior objetivo nesta vida (ou encarnação) é nos libertar da sombra que é formada por conteúdos reprimidos, que ficam no inconsciente e que são as tendências, desejos, memórias e experiências rejeitadas por nós por serem contrárias aos padrões e ideais sociais.
A sombra representa aquilo que consideramos inferior e que negligenciamos todo o tempo. A sombra é muito perigosa quando não é reconhecida. Por exemplo: uma pessoa que tende a projetar seus defeitos e tendências negativas em outras pessoas, sem tomar consciência de que o que ela nega está dentro dela. Por isso a necessidade do autodescobrimento, que é observar-se, perceber-se, sentir-se e se tocar sem julgamentos, pois se os houver, a pessoa poderá deixar de se autoanalisar por medo de descobrir-se com males ainda a serem vencidos e desistir.
A identificação dos nossos males é perfeitamente adequada para que sejam removidos, pois, sem a aceitação, jamais poderão ser substituídos. Portanto, o primeiro passo é aceitar e levar seriamente em conta a existência da sombra. O segundo passo é identificar-se com as qualidades já desenvolvidas e desqualificar os desejos e as tendências negativas como não mais necessárias. Obviamente iremos dar hierarquia aquelas que já temos condições de mudar, pois não conseguiremos eliminar tudo de uma só vez.
Esse é um processo que levará um tempo, talvez grande ou não, pois tudo dependerá da disposição e da possibilidade de cada um. Através de um empenho disciplinado, o problema, a crise ou o conflito é mudado. Devemos encarar com seriedade o fato de que as sombras nos encarceram no passado, por serem memórias de fatos ocorridos que geram traumas, medos, culpas, raiva, cólera, agressividade, violência externa (com os outros) ou violência interna (consigo próprio). Esses conflitos, queiramos ou não, tem de ser vivenciados e superados Eles só podem ser resolvidos se os suportarmos, e não através de uma estratégia engenhosa ou uma invenção inteligente.
O sofrimento faz parte desse procedimento, pois estaremos retirando de nós mesmos mecanismos de defesa desnecessários e impeditivos do nosso progresso, que o Ego não permite, pois se acha o todo poderoso ao extremo, gerando egoísmo, orgulho, avareza, etc... A dor vem do Ego que não aceita ser contrariado nas suas regras de vida. Não podemos negar o Ego, ele exerce papel fundamental na preservação, mas muitas vezes ele extrapola, e não respeita os direitos dos outros. Quando não trabalhamos nossas sombras, os conteúdos negativos armazenados nos incomodam através de conflitos psíquicos, que se expressam por meio de distúrbios da conduta, dos sentimentos e das ideias, impossibilitando o indivíduo viver de forma adequada, sentindo prazer pela vida.
E esses conteúdos negativos também podem se expressar através de sintomas que mostram necessidade ou desejo da alma (de mudanças). E quando não reagimos, ou melhor, mudamos comportamentos, atitudes, formas de pensar, ficamos "doentes fisicamente", pois esta é uma forma de o psiquismo despertar à consciência para a necessidade de renovar e de transformar. Essa doença é denominada de psicossomática, que são doenças oriundas de fator etiológico, de origem mental.
E se com os sintomas físicos não houver renovação interior, então o que era sintoma se tornará doença na maioria dos casos, pois "talvez" assim, através da dor física, o indivíduo resolva refletir sobre sua vida pessoal, analisando seus desejos muitas vezes não satisfeitos, que precisam de soluções. Traumas ou situações desagradáveis reprimidas também precisam ser exteriorizados e solucionados. Logo, percebemos que viver não é simplesmente nascer, crescer e morrer, mas nascer, aprender com as experiências da vida, refletir o que somos, o que sentimos e o que queremos, para assim buscar, através de estratégias e metas, atingir o que desejamos.
Na vida tudo nos leva a enfrentar desafios com início a partir do parto, quando o bebê é retirado do ventre da mãe, onde se encontrava em segurança. Aí inicia a necessidade de enfrentar inúmeros desafios, na infância, na adolescência e na fase adulta. Não podemos esquecer de que há circunstância em que o feto, ainda no ventre materno, enfrenta choques geradores de inseguranças no comportamento da mãe (gestante) revoltada diante da maternidade não desejada e às vezes odiada.
Diante disso, o Ser em formação tem seus delicados mecanismos psíquicos atingidos, desarmonizando sua mente, perpetuando desequilíbrios, produzindo marcas profundas de abandono e solidão, que surgirão como traumas danosos no desenvolvimento da personalidade. Acreditamos que as dores, pelas quais passamos, não podem ser tão destrutivas a ponto de impedirem o nosso despertar desse sono pesado.
Precisamos , sim, rasgar esse véu material que nos envolve e aprender a caminhar e identificar nossas potências, utilizá-las e assim apressamos a conquista do nosso ideal. Sejamos firmes e consistentes em nossos desejos para conquistarmos a consciência, que não é somente a faculdade de perceber, mas também o sentimento que temos de viver, agir, pensar e querer.
 

 (Jornal O Semeador, dezembro de 2.003)

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