Hoje, temos condição de afirmar
que o Homem é um ser biológico, psicológico, social e espiritual. Não dá mais
para negar sequer um desses aspectos, que formam o Homem integral. Sabemos que
nem todas as pessoas aderem a esse conceito, mas nem por isso ele deixa de ser
uma afirmação para aqueles que estudam, pesquisam e se fundamentam no Homem
como um ser progressivo e evolutivo.
E quanto mais refletimos sobre o
Homem numa visão integral, poderemos despertar a consciência de que nosso maior
objetivo nesta vida (ou encarnação) é nos libertar da sombra que é formada por
conteúdos reprimidos, que ficam no inconsciente e que são as tendências,
desejos, memórias e experiências rejeitadas por nós por serem contrárias aos
padrões e ideais sociais.
A sombra representa aquilo que
consideramos inferior e que negligenciamos todo o tempo. A sombra é muito
perigosa quando não é reconhecida. Por exemplo: uma pessoa que tende a projetar
seus defeitos e tendências negativas em outras pessoas, sem tomar consciência
de que o que ela nega está dentro dela. Por isso a necessidade do
autodescobrimento, que é observar-se, perceber-se, sentir-se e se tocar sem
julgamentos, pois se os houver, a pessoa poderá deixar de se autoanalisar por
medo de descobrir-se com males ainda a serem vencidos e desistir.
A identificação dos nossos males
é perfeitamente adequada para que sejam removidos, pois, sem a aceitação,
jamais poderão ser substituídos. Portanto, o primeiro passo é aceitar e levar
seriamente em conta a existência da sombra. O segundo passo é identificar-se
com as qualidades já desenvolvidas e desqualificar os desejos e as tendências
negativas como não mais necessárias. Obviamente iremos dar hierarquia aquelas
que já temos condições de mudar, pois não conseguiremos eliminar tudo de uma só
vez.
Esse é um processo que levará um
tempo, talvez grande ou não, pois tudo dependerá da disposição e da
possibilidade de cada um. Através de um empenho disciplinado, o problema, a
crise ou o conflito é mudado. Devemos encarar com seriedade o fato de que as
sombras nos encarceram no passado, por serem memórias de fatos ocorridos que
geram traumas, medos, culpas, raiva, cólera, agressividade, violência externa
(com os outros) ou violência interna (consigo próprio). Esses conflitos,
queiramos ou não, tem de ser vivenciados e superados Eles só podem ser
resolvidos se os suportarmos, e não através de uma estratégia engenhosa ou uma
invenção inteligente.
O sofrimento faz parte desse
procedimento, pois estaremos retirando de nós mesmos mecanismos de defesa
desnecessários e impeditivos do nosso progresso, que o Ego não permite, pois se
acha o todo poderoso ao extremo, gerando egoísmo, orgulho, avareza, etc... A
dor vem do Ego que não aceita ser contrariado nas suas regras de vida. Não
podemos negar o Ego, ele exerce papel fundamental na preservação, mas muitas
vezes ele extrapola, e não respeita os direitos dos outros. Quando não
trabalhamos nossas sombras, os conteúdos negativos armazenados nos incomodam
através de conflitos psíquicos, que se expressam por meio de distúrbios da
conduta, dos sentimentos e das ideias, impossibilitando o indivíduo viver de
forma adequada, sentindo prazer pela vida.
E esses conteúdos negativos também
podem se expressar através de sintomas que mostram necessidade ou desejo da
alma (de mudanças). E quando não reagimos, ou melhor, mudamos comportamentos,
atitudes, formas de pensar, ficamos "doentes fisicamente", pois esta
é uma forma de o psiquismo despertar à consciência para a necessidade de
renovar e de transformar. Essa doença é denominada de psicossomática, que são
doenças oriundas de fator etiológico, de origem mental.
E se com os sintomas físicos não
houver renovação interior, então o que era sintoma se tornará doença na maioria
dos casos, pois "talvez" assim, através da dor física, o indivíduo
resolva refletir sobre sua vida pessoal, analisando seus desejos muitas vezes
não satisfeitos, que precisam de soluções. Traumas ou situações desagradáveis
reprimidas também precisam ser exteriorizados e solucionados. Logo, percebemos
que viver não é simplesmente nascer, crescer e morrer, mas nascer, aprender com
as experiências da vida, refletir o que somos, o que sentimos e o que queremos,
para assim buscar, através de estratégias e metas, atingir o que desejamos.
Na vida tudo nos leva a
enfrentar desafios com início a partir do parto, quando o bebê é retirado do
ventre da mãe, onde se encontrava em segurança. Aí inicia a necessidade de
enfrentar inúmeros desafios, na infância, na adolescência e na fase adulta. Não
podemos esquecer de que há circunstância em que o feto, ainda no ventre
materno, enfrenta choques geradores de inseguranças no comportamento da mãe
(gestante) revoltada diante da maternidade não desejada e às vezes odiada.
Diante disso, o Ser em formação
tem seus delicados mecanismos psíquicos atingidos, desarmonizando sua mente,
perpetuando desequilíbrios, produzindo marcas profundas de abandono e solidão,
que surgirão como traumas danosos no desenvolvimento da personalidade.
Acreditamos que as dores, pelas quais passamos, não podem ser tão destrutivas a
ponto de impedirem o nosso despertar desse sono pesado.
Precisamos , sim, rasgar esse
véu material que nos envolve e aprender a caminhar e identificar nossas
potências, utilizá-las e assim apressamos a conquista do nosso ideal. Sejamos
firmes e consistentes em nossos desejos para conquistarmos a consciência, que
não é somente a faculdade de perceber, mas também o sentimento que temos de
viver, agir, pensar e querer.
(Jornal O Semeador,
dezembro de 2.003)
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