Jonathan Head - Correspondente
da BBC na Ásia – 15/10/2015
No início deste ano, uma menina tailandesa
de dois anos de idade tornou-se a pessoa mais jovem a ser congelada por
criogenia. Seus pais recorreram à técnica, que preservou seu cérebro no estado
em que se encontrava momentos após sua morte, na esperança de que um dia ela
possa ser trazida de volta à vida.
O quarto onde Matheryn
Naovaratpong passou seus últimos meses está quase vazio. Nele, só permanece seu
berço e o suporte que ajudava a manter a menina de pé.
Em meio às paredes brancas, o
único traço de cor do ambiente austero vem de uma pequena estátua budista
dourada, de alguns de seus bichos de pelúcia favoritos e um enorme retrato dela
pendurado na parede.
Hoje, é mais parecido com um
altar para uma criança cuja vida foi interrompida tragicamente. Matheryin, ou
Einz, como sua família a chamava carinhosamente, desenvolveu um tipo raro de
câncer no cérebro logo após seu segundo aniversário. Ela morreu em 8 de janeiro
passado, pouco antes de completar 3 anos.
Quando isso ocorreu, seus pais,
ambos engenheiros biomédicos, tinham optado pelo procedimento que eles esperam
permitir dar a sua filha uma nova chance de viver.
"Assim que ela ficou
doente, surgiu imediatamente a ideia de que deveríamos fazer isso por ela, por
mais que seja impossível hoje", diz seu pai, Sahatorn. "Fiquei
realmente dividido quanto a esta ideia, mas precisava me agarrar a ela. Então,
expliquei tudo para minha família."
Sua proposta era preservar Einz
por meio de uma tecnologia conhecida como criogenia. O corpo, ou apenas o
cérebro, no caso de Einz, é colocado em um estado de congelamento profundo até
que, em algum momento no futuro, avanços extraordinários da medicina permitam
que um novo corpo seja criado para ela e seja possível revivê-la.
"Como cientistas, temos
100% de confiança de que isso acontecerá - só não sabemos quando", diz
Sahatorn. "No passado, poderíamos pensar que levaria 400 ou 500 anos, mas,
agora, podemos imaginar que será possível em 30 anos."
O pai de Einz conta que, a
princípio, foi difícil para o restante da família aceitar sua visão, mas quando
a saúde da menina piorou, eles começaram a mudar de ideia.
"Ela tinha algo especial
desde que nasceu. Ela manifestava seu amor mais do que outras crianças, sempre
querendo fazer parte de nossas atividades", diz ele.
Sahatorn e sua mulher, Nareerat,
têm outros três filhos. Nareerat teve de retirar seu útero após o primeiro
parto, então, Einz e seu irmão mais novo foram concebidos com a ajuda de
fertilização in vitro. A tecnologia, eles dizem, teve um papel central na vida
da menina desde o início e pode ajudá-la a "renascer".
Os Naovaratpong escolheram a
Alcor, uma ONG do Estado do Arizona, nos Estados Unidos, provedora dos chamados
serviços de "extensão da vida", para cuidar da preservação do cérebro
de Einz. A família se envolveu nos preparativos, criando um caixão especial que
pudesse ser transportado até o outro país.
Um time da Alcor foi até a
Tailândia para supervisionar o resfriamento inicial do corpo de Einz. No
momento em que o óbito da menina foi declarado, a equipe da ONG deu início ao
que chama de "crioproteção", removendo fluídos corporais e os
substituindo por um líquido anticongelante que permite que o corpo possa ser
congelado sem comprometer os tecidos.
Após sua chegada ao Arizona, o
cérebro foi removido e preservado a uma temperatura de -196ºC. Ela é a 134ª
paciente da Alcor e de longe a mais nova.
A forma como Sahatorn descreve o
procedimento, que parece ter saído de um filme de ficção científica, é
extremamente técnica, ainda mais levando em conta que tudo ocorreu logo após
perder uma filha muito amada. Mas a família tem muita clareza de seus
sentimentos.
"Ainda a amamos. Lutamos
para ser fortes, mas, quando ela morreu, não nos comportamos diferente do que
outras famílias. Choramos todos os dias. Ainda precisamos de um tempo para nos
acostumar", diz o pai da menina.
Em sua opinião, os pensamentos e
personalidade de Einz serão preservados com seu cérebro e podem ser, em algum
estágio futuro, o suficiente para que sua vida seja reconstruída. Ele e sua
mulher também planejam ter seus corpos preservados com criogenia, apesar de ele
reconhecer que há poucas chances de que eles se encontrem com sua filha em suas
novas vidas.
O casal também planeja visitar
as instalações da Alcor para ver o recipiente de aço no qual o cérebro de Einz
é mantido em "biossuspensão", segundo o termo usado pela ONG. Eles
ainda dizem terem doado o mesmo valor gasto com a preservação do corpo de Einz
para pesquisas relacionadas a câncer na Tailândia.
A Alcor diz que sua operação é
"um experimento no sentido literal da palavra". A ONG não promete uma
segunda chance de viver, mas diz que a criogenia é um "esforço para salvar
vidas".
A Alcor afirma que a "morte
verdadeira" só ocorre quando o corpo começa a parar de funcionar e seus
componentes químicos ficam tão "desorganizados" que a tecnologia
médica não pode recuperá-los.
Depois que o óbito é declarado,
o corpo é mantido vivo com ajuda de aparelhos. O sangue é trocado por
preservantes para que seja possível o transporte de qualquer parte do mundo
para a sede da empresa.
O corpo é inundado com químicos
chamados "crioprotetores", que resfriam as células a -120ºC sem
formação de gelo, um processo conhecido como vitrificação. Depois, é resfriado
ainda mais, até -196ºC, e armazenado indefinidamente em nitrogênio líquido.
Mas e quanto ao futuro? A
família está reunindo fotos e gravações sua e de Einz, para que ela possa saber
de sua vida passada. Por sua vez, a Alcor promete supervisionar cuidadosamente
a readaptação de seus pacientes.
Essa certeza de que no futuro
será possível trazer alguém de volta à vida deixa muitas pessoas
desconfortáveis. Pode não ser fácil entender ou aceitar os argumentos de uma
família para seguir este caminho.
É impossível não pensar que isto
possa ser apenas uma forma de evitar o enorme sofrimento de perder uma criança
tão nova. Ou questionar se as promessas da Alcor são válidas e se esse
procedimento todo terá algum sucesso em questão de décadas ou mesmo séculos.
Mas Sahatorn e Nareerat
obviamente estão sofrendo, enquanto ao mesmo tempo se apegam à esperança de um
futuro que a maioria de nós sequer consegue imaginar, no qual Einz viverá
novamente. Eles pensaram muito a respeito e se dizem confortáveis com sua
decisão.
"Foi nosso amor por ela que
nos levou a este sonho da ciência", diz Sahatorn. "Com certeza, nossa
sociedade está avançando a uma nova forma de pensar em que isso será
aceitável."
Nenhum comentário:
Postar um comentário