06/10/2015
Salomão Shereshevsky era um
jornalista, mas nunca tomou notas sobre algo.
Em 1905, após a reunião
editorial da manhã, seu chefe percebeu que ele não havia anotado nada no papel
e ficou com muita raiva do jovem de 19 anos. Por conta disso, Shereshevsky
precisou ir a um psicólogo, ou, mais especificamente, a um neuropsicólogo.
O repórter, que vivia em Moscou,
na Rússia, não escreveu nada porque ele era capaz de se lembrar de tudo. Ele
repetia palavra por palavra do que foi dito pelo seu editor, incluindo inúmeros
nomes e as instruções fornecidas nas reuniões anteriores. Sua capacidade, que
ele próprio não sabia que era extraordinária, surpreendeu tanto seu superior
que ele o colocou em contato com o especialista Alexander Romanovich Luria.
Na primeira sessão com o que é
considerado o fundador da neurociência cognitiva, Shereshevsky passou por
testes complicados, onde ele teria que ler uma série de números e letras e
outros 10 elementos, mas acabou sendo testado com 70 fórmulas matemáticas
complexas e poemas em outras línguas, para ver se ele poderia repetir tudo
apenas com a memória. E, de fato, o jovem jornalista fez isso sem erros. Ele
ainda foi capaz de repetir na ordem inversa. Por conta disso, o neuropsicólogo
passou a estudar seu caso ao longo dos próximos 30 anos e documentou o primeiro
caso de hipermnésia (excesso de memória).
Dezesseis anos após a primeira
sessão, Luria perguntou a Shereshevsky se ele se lembrava daquele dia, e ele
respondeu: “Sim, foi nessa época que eu recitava poemas em seu apartamento.
Você estava sentado à mesa, na cadeira de balanço. Você estava usando um terno
cinza e olhava fixamente para mim. Lembro até das coisas que você me falou”.
Shereshevsky foi capaz de reproduzir todos os números, letras, poemas que
precisou repetir no dia, além de todo o cenário, incluindo a roupa do
psicólogo. Assim, Luria descobriu que a chave para essa memória, eram as imagens.
Shereshevsky percebeu que ele
tinha um dom especial e tentou ganhar a vida com isso. Ele deixou o jornal e
começou a se apresentar em bares de Moscou mostrando suas habilidades, deixando
a plateia impressionada. Mas tudo isso acabou falhando por várias razões.
Primeiro, porque ele precisava
de concentração absoluta, ou seja, uma simples tosse poderia interromper o
processo mental de Shereshevsky, esvaziando sua memória. A segunda, porque ele
tinha associado à sua hipermnésia uma sinestesia forte, uma condição na qual os
sentidos se misturam. Ou seja, para ele, as palavras tinham cores, sabores,
peso etc. Isso é muito útil para ajudar as pessoas a lembrar de algo, mas foi
um problema para ele desenvolver uma vida normal e interagir com os outros. "Se
eu leio quando estou comendo, eu quase não consigo entender o que estou lendo.
O sabor da comida me confunde e se mistura com o sentido das palavras",
disse Salomão. “O número dois, por exemplo, é plano, retangular e cinza, por
vezes, quase esbranquiçada”, relatou.
Salomão não conseguia ter uma
conversa normal, pois ficava muito estressado pelo acúmulo de detalhes
absorvidos, e acabava se lembrando até do menor fato acontecido em sua vida.
Tomar uma decisão simples era uma tarefa quase impossível, pois toda informação
armazenada se confundia em sua cabeça. Luria escreveu sobre o seu paciente no
livro ‘Small Book About a Large Memory’ (Pequeno Livro Sobre uma Grande
Memória), relatando que Shereshevsky, às vezes, parecia ter algum atraso
mental, por conta disso.
No fim das contas, Shereshevsky
largou a carreira artística e acabou como um motorista de táxi nas ruas de
Moscou. O homem conhecido como dono da memória mais impressionante na história
da humanidade, morreu em 1958, sem nenhum tipo de reconhecimento.
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