Dr. Rogério Brandão,
oncologista – 25/08/2015
“Quando eu morrer, acho que
minha mãe vai ficar com saudade. Mas eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não
nasci para esta vida!”
Como médico cancerologista, já
calejado com longos 29 anos de atuação profissional, posso afirmar que cresci e
modifiquei-me com os dramas vivenciados pelos meus pacientes. Não conhecemos
nossa verdadeira dimensão até que, pegos pela adversidade, descobrimos que somos
capazes de ir muito mais além.
Recordo-me com emoção do
Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como
profissional… Comecei a frequentar a enfermaria infantil e apaixonei-me pela
oncopediatria.
Vivenciei os dramas dos meus
pacientes, crianças vítimas inocentes do câncer. Com o nascimento da minha
primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento das crianças.
Até o dia em que um anjo passou
por mim! Meu anjo veio na forma de uma criança já com 11 anos, calejada por
dois longos anos de tratamentos diversos, manipulações, injeções e todos os
desconfortos trazidos pelos programas químicos e radioterapias. Mas nunca vi o
pequeno anjo fraquejar. Vi-a chorar muitas vezes; também vi medo em seus
olhinhos; porém, isso é humano!
Um dia, cheguei ao hospital
cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto. Perguntei pela mãe. A resposta
que recebi, ainda hoje, não consigo contar sem vivenciar profunda emoção.
— Tio, disse-me ela — às vezes
minha mãe sai do quarto para chorar escondido nos corredores… Quando eu morrer,
acho que ela vai ficar com muita saudade. Mas, eu não tenho medo de morrer,
tio. Eu não nasci para esta vida!
Indaguei: — E o que morte
representa para você, minha querida?
– Olha tio, quando a gente é
pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e, no outro dia, acordamos
em nossa própria cama, não é? (Lembrei das minhas filhas, na época crianças de
6 e 2 anos, com elas, eu procedia exatamente assim.) É isso mesmo.
– Um dia eu vou dormir e o meu
Pai vem me buscar. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!
Fiquei “entupigaitado”, não
sabia o que dizer. Chocado com a maturidade com que o sofrimento acelerou, a
visão e a espiritualidade daquela criança.
– E minha mãe vai ficar com
saudades – emendou ela.
Emocionado, contendo uma lágrima
e um soluço, perguntei:
– E o que saudade significa para
você, minha querida?
– Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos de idade,
desafio qualquer um a dar uma definição melhor, mais direta e simples para a
palavra saudade: é o amor que fica!
Meu anjinho já se foi, há longos
anos. Mas, deixou-me uma grande lição que ajudou a melhorar a minha vida, a
tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores.
Quando a noite chega, se o céu está limpo e vejo uma estrela, chamo pelo “meu
anjo”, que brilha e resplandece no céu.
Imagino ser ela uma fulgurante
estrela em sua nova e eterna casa.
Obrigado anjinho, pela vida
bonita que teve, pelas lições que me ensinaste, pela ajuda que me deste. Que
bom que existe saudade! O amor que ficou é eterno.
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