Claudia Gelernter
Conversando sobre a força divina em nós
Gosto de perceber as semelhanças
fundamentais entre os ensinamentos de grandes mestres da humanidade e a
Psicologia Humanista. Embora esta última tenha se ocupado mais dos processos
mentais, com suas dificuldades, embustes e viciações (e possíveis cuidados) e
os Mestres com as questões éticas e morais, o que vemos, na síntese de ambas, é
que o caminho proposto para o bem-estar se repete: aceitação, amor e trabalho.
Quando realizamos no mundo e em nós estes três conceitos sagrados, superamos
nosso eu inferior, alcançando novos horizontes. Conseguimos atravessar vales
sombrios, grandes desafios existenciais, mantendo nossa serenidade, nossa
harmonia íntima.
Este passo corajoso, certeiro,
eficaz, que nos pede empenho, confiança e discernimento, fazendo-nos melhores
do que tínhamos sido até ali, chama-se SUPERAÇÃO. Todos podem alcançá-lo;
afinal, como nos diz o salmista, somos deuses! E esta essência divina que
carregamos, quando acionada, torna-nos fortes, irresistivelmente capazes.
Afinal, precisamos superar antigas
formas de ser e de pensar para evoluir. E o que é viver na Terra, senão um
exercício de evolução para todos nós?
Joseph Campbell e a
Saga do Herói: do individual ao social
Joseph Campbell, psicólogo
americano, autor da teoria relacionada ao poder do mito, ao estudar os mitos e
histórias de heróis, de todas as culturas, em épocas variadas, encontrou nestas
um ponto em comum, um enredo lógico, constituído de passos cronológicos,
sequenciais, pedagógicos e evolutivos. Constatou que toda história escrita ou
narrada parte de um ambiente cotidiano, familiar, controlado, em que se mostra
o dia a dia do herói, com seus afazeres e costumes, junto a seus conhecidos
e/ou familiares. Então, em determinado momento de sua “controlada" vida,
esse herói sente-se impulsionado a sair desse ambiente, como se uma força
invisível e irresistível o obrigasse a partir em busca de algo novo. Mesmo que
o herói relute, tente negar o não familiar, algo acontece e o “empurra"
para fora, rumo a um grande desafio. Com o passar do tempo e das experiências,
eis que surge um dilema gigantesco a ser enfrentado, depois outro, até que,
quando o herói já sente que não tem mais forças, nasce nele uma energia
sobre-humana, especial, capaz de fazê-lo ser mais do que tinha sido até ali, levando-o
a uma vitória impressionante, colocando-o, então, em outro patamar.
Quando, por fim, esse herói
retorna ao seu meio [ou mesmo que prefira estar em outro ambiente], o que
acontece é que ele estará transformado, diferente, mais maduro e experiente, de
acordo com a vivência que experimentou e a vitória que conseguiu.
Creio que todos nós já nos
deparamos com histórias assim, seja nos contos de Grimm, nos mitos gregos,
nórdicos, africanos, indígenas, ou mesmo nas superproduções do cinema atual. A
maior parte dos heróis repete esse tipo de saga.
Mas, afinal, o que esse roteiro
comum tem a ver conosco? Por que isso é relevante?
O que acontece é que a saga do
herói, proposta e descoberta por Campbell, fala de todos os seres humanos.
Todos passamos, em algum momento (ou vários), por determinadas crises em que
somos levados a sair das nossas rotinas; perdemos o controle da situação, não
entendemos muito bem o que vem pela frente, nos sentimos sozinhos e, por vezes,
desesperados. No ápice dos problemas, quando acreditamos que as forças se
esgotaram e que estamos prestes a desistir, eis que uma força impressionante
surge, arrebatadora, imediata. Ela pode vir na forma de uma ideia, um insight
ou uma ação real, prática.
Esse momento crucial da saga, em
que conseguimos dar esse passo fundamental, chama-se SUPERAÇÃO, como disse
acima.
Percebam que a palavra, se
dividida em duas, nos sugere exatamente isso: Uma Super Ação, uma ação
especial, não rotineira, poderosa, decisiva.
Quando falamos em SUPERAÇÃO,
temos de ter em mente que esta pode ocorrer em qualquer dos nossos aspectos
fundamentais, seja ele físico, psíquico, social ou espiritual. E sendo em
qualquer um deles, a verdade é que todos os outros são concomitantemente
afetados; afinal, somos seres integrais, formados de corpo e alma, com
processos mentais, emocionais, sociais e espirituais.
No âmbito individual [falo
individual, pois a superação também se dá no campo social] cabe relembrar que
somos seres integrais e, portanto, a superação pode se dar em quatro aspectos
específicos:
Superação de ordem
física: Quando conseguimos uma cura, uma mudança radical de hábito, ou
mesmo uma aceitação qualquer com relação a problemas incuráveis em nosso corpo
(mutilações, deformações etc.), velhice etc.
Superação de ordem psíquica:
Quando mudamos nossos processos mentais de forma mais positiva, alterando
antiga forma de enxergar o mundo, deixando de ancorar em emoções tóxicas,
trabalhando a autoestima, o autoamor, controlando o vai e vem emocional através
do campo racional, nosso modo de depreender a realidade e agir nela.
Superação de ordem
social: Quando conseguimos aceitar as pessoas como elas são, sem tentar
mudá-las a nosso bel-prazer; quando conseguimos calar para que um mais tolo
fale; quando conseguimos manter a paz, a harmonia íntima, dialogando com
maturidade com as pessoas, instituindo relações maduras, saudáveis com os
demais.
Superação de ordem
espiritual: Quando conseguimos sair de nós mesmos e conectar-nos a algo
maior que nós, sentindo a presença da inteligência que nos governa, com
qualquer nome que queiramos lhe atribuir, aceitando os movimentos da vida, com
seus reveses e alegrias, por entendermos que Deus sabe melhor que nós aquilo
que nos convém.
Superação significa, portanto,
sair de um patamar, de um degrau na escala evolutiva, para outra posição,
melhorada, porque mais equilibrada, harmoniosa.
Um estado de serenidade pode ser
percebido quando conseguimos dar este importante passo, com esta SUPERAÇÃO.
Vejamos alguns dos possíveis
entraves e medidas positivas para a SUPERAÇÃO:
a.
Baixa autoestima;
b.
Vitimismo;
c.
Orgulho exacerbado;
d.
Remorsos e autossabotagem;
e.
Mágoas;
f.
Infantilização;
g.
Carências;
h.
Revoltas;
i.
Cólera.
Tais emoções e sentimentos
surgem de aprendizagens equivocadas sobre si mesmo e o mundo. Nascem da nossa
teimosia milenar. Sempre que nos fixamos em emoções dessa qualidade, estas
tornam-se tóxicas em nosso mundo mental, levando-nos ao adoecimento,
retirando-nos a possibilidade de superação. Será preciso profundo
autoconhecimento e medidas de melhoria, através de ações positivas. E lembrando
que mudança de hábito requer exercício e perseverança.
Se na Idade Média não
imaginávamos a necessidade de um banho, ou a escovação dental, na atualidade
esses hábitos surgem como algo natural, porque já impostos pela cultura. Dia
chegará em que fazermos o correto será tão natural quanto beber um copo de água
quando sentimos sede… Até lá, precisamos nos empenhar e nos ajudar mutuamente,
para conseguirmos superar e ultrapassar as indispensáveis etapas evolutivas.
Dentro deste raciocínio,
destaco, abaixo, três ações possíveis e necessárias para ajudarmos pessoas que
cruzam nossos caminhos a alcançarem esse objetivo sagrado:
Ação Profilática: Quando pais e/ou educadores lançam sobre o
educando um olhar empoderador, fazendo-o crer que possui uma força divina em si
[o que é a mais pura verdade!], que consegue superar as dificuldades, podendo
desenvolver-se plenamente, deixando para trás dificuldades e empecilhos,
promovem neste um desenvolvimento saudável, com base sólida, formadora de um
ego fortalecido, resistente, plástico. O autoamor surge, permitindo que o
indivíduo se torne um adulto forte, ciente de seu papel no mundo, capaz de
descobrir e utilizar seus talentos. Para estes, a superação torna-se menos
sofrida, mais rápida, por vezes suave, até.
Ação Curativa: Quando, na fase adulta, o sujeito apresenta
dificuldades em um ou vários aspectos de sua vida e a mudança íntima parece de
difícil solução, o caminho inicial do discípulo da vida deverá ser o proposto
há mais de 2.500 anos, com uma frase bastante conhecida no mundo ocidental:
“Conhece-te a ti mesmo”. Precisará mergulhar nos meandros de seu psiquismo para
tomar conhecimento dos possíveis embustes que prepara contra si mesmo ou das
armadilhas em que cai, sem se dar conta dos possíveis caminhos que pode
trilhar, afastando-se do sofrimento. Como medidas de ação curativa, destacamos
o amor e a orientação, seja através de uma filosofia, uma religião, uma terapia
humanista ou mesmo alguma prática meditativa.
Ação Paliativa: “Como faladora que sou, falo a partir de um lugar…”
E este lugar está marcado pela filosofia espírita. Neste modo de pensar, o
humano é um Espírito reencarnado, que já passou por muitas experiências, por
diversos desafios e aprendizagens diversas, e está neste momento vivenciando
novas questões específicas, ideais para ele. Acontece que nem todos aproveitam
bem a experiência reencarnatória. Alguns ancoram por demasiado tempo em
determinadas posições, atravancando a própria evolução e não se abrem para as
lições apresentadas. Preferem a posição de vítimas engessadas. Aprenderam a
infantilizar-se e não querem sair deste lugar. O passo da superação nem sempre
acontece, portanto. Mas nada está perdido, já que somos imortais e nenhuma
semente boa se perde. Mesmo que o solo de seus corações não esteja pronto para
o broto da superação, devemos semear, confiantes em que a própria vida fará seu
trabalho, ao longo dos dias, anos e décadas… ou mesmo séculos. Um dia, a
semente brotará!
Onde podemos
encontrar as lições de Jesus, neste contexto até aqui apresentado?
Em tudo! Todas as lições,
intervenções e propostas curativas podem ser encontradas na vida e nos exemplos
de Jesus. Ele nos trouxe dicas preciosas, ao longo de seu legado. Praticamente
no final de sua estada no plano material, disse que devemos trabalhar e
confiar, como ele o fez, para que também nós vencêssemos o mundo, como ele
venceu. E o que seria “Vencer o Mundo”, senão [no nosso caso] superarmos a nós
mesmos, nosso ego problemático, apesar do mundo e dos seus arrastamentos?
Para a Superação própria e para
ajudarmos os nossos irmãos do caminho na superação necessária, conjugou alguns
verbos essenciais. Citarei aqui seis deles, encontrados em seus ensinamentos,
por considerá-los fundamentais em nossa estrada evolutiva. São eles: Semear,
Orar, Confiar, Escolher, Agir e Amar.
Semear - “Eis que o semeador saiu a semear.” Mateus (13:3)
Jesus nos pediu para que não
colocássemos a candeia abaixo do alqueire, que não deixássemos de distribuir a
nossa luz, o nosso conhecimento sobre o amor, sobre o bem. Falou-nos da
parábola do semeador, explicando que nem todo solo está preparado para novos
brotos, mas que nem por isso o semeador deixa de semear!
Orar - “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e
abrir-se-vos-á”.
Porque, aquele que pede, recebe;
e, o que busca, encontra; e, ao que bate, abrir-se-lhe-á.
E qual dentre vós é o homem que,
pedindo-lhe pão o seu filho, lhe dará uma pedra? E, pedindo-lhe peixe, lhe dará
uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos
filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe
pedirem?”(Mateus 7:7-10)
Jesus nos diz que a prece tem
uma força impressionante, que o Pai sempre escuta todas as preces e que nenhuma
delas fica sem resposta, mesmo que não tenhamos de imediato a solução de um
problema, pois a prece feita por um coração fortalecido na fé recebe aconchego,
se fortalece e se acalma para conseguir a superação necessária.
Confiar - “E eis que uma mulher que havia já doze anos padecia de
um fluxo de sangue, chegando por detrás dele, tocou a orla de sua roupa; porque
dizia consigo: Se eu tão somente tocar a sua roupa, ficarei sã. E Jesus,
voltando-se, e vendo-a, disse: Tem ânimo, filha, a tua fé te salvou. E imediatamente
a mulher ficou sã.” (Mateus 9:20-22)
A confiança nos propósitos da
vida e na ajuda dos céus nos mantém relativamente serenos diante das grandes
crises. Não fomos criados ao acaso e não estamos “soltos no mundo” como penas
ao vento. Todos estamos ligados ao Amor do Pai e este está no leme.
Escolher - "Entrai pela porta estreita; porque larga é a
porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram
por ela; e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e
poucos há que a encontrem.” (Mateus 7:13-14)
Decidir pelo melhor para nós
exige uma consulta ao chip divino chamado consciência. Temos tido contato com
muitas tradições de sabedoria e todas nos indicam os mesmos caminhos: Amor,
trabalho e aceitação. Se fazemos o nosso melhor, se amamos, trabalhamos e
aceitamos o que a vida nos traz de desafios, dando o nosso melhor, estamos
optando pela porta estreita. E ela nos leva sempre a um lugar melhor.
Agir - "Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e
as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a
rocha; e desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram
aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha. E aquele que
ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato,
que edificou a sua casa sobre a areia; e desceu a chuva, e correram rios, e
assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda.”
(Mateus 7:24-27)
Saber e não fazer é ser
responsável pelo próprio fracasso. Já não somos mais ignorantes de muitas
coisas. Cabe-nos continuar tentando, lutando para vencer o mal que ainda habita
em nós.
Amar - “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lo
também vós, porque esta é a lei e os profetas.” (Mateus 7:7-12)
Este é o resumo não apenas da
Doutrina Cristã, mas, como disse Jesus, é a lei e os profetas, sendo que a lei
divina já foi apresentada por muitos missionários, ao longo dos séculos e
milênios, em todas as culturas. Ninguém está à margem desse ensinamento. Devemos,
portanto, amar sempre… amar a tudo e a todos.
Jesus, o maior psicólogo, o
maior pedagogo, o maior exemplo de que temos notícia, sabia que não nos fazemos
sozinhos, que precisamos uns dos outros, que Deus ajuda as criaturas por meio
das criaturas. Contou-nos que devemos aceitar a realidade, aceitar os
movimentos da vida, trabalhando, usando nossos talentos para o melhor, para o
mais útil. Chamou-nos a atenção para que tomássemos nosso lugar nesta vida,
sendo responsáveis, deixando de ocupar uma posição infantil, vitimizada,
dependente. Que fôssemos humildes diante das propostas da vida e fortes diante
dos problemas. Que superássemos, através do amor e da confiança em Deus.
Todos somos capazes de ajudar um
irmão no processo de superação e também nós podemos superar a nós mesmos,
através de Jesus e de seus ensinamentos.
Trabalhemos!
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