segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Superação, segundo Jesus[1]





 Claudia Gelernter
Conversando sobre a força divina em nós

Gosto de perceber as semelhanças fundamentais entre os ensinamentos de grandes mestres da humanidade e a Psicologia Humanista. Embora esta última tenha se ocupado mais dos processos mentais, com suas dificuldades, embustes e viciações (e possíveis cuidados) e os Mestres com as questões éticas e morais, o que vemos, na síntese de ambas, é que o caminho proposto para o bem-estar se repete: aceitação, amor e trabalho. Quando realizamos no mundo e em nós estes três conceitos sagrados, superamos nosso eu inferior, alcançando novos horizontes. Conseguimos atravessar vales sombrios, grandes desafios existenciais, mantendo nossa serenidade, nossa harmonia íntima.
Este passo corajoso, certeiro, eficaz, que nos pede empenho, confiança e discernimento, fazendo-nos melhores do que tínhamos sido até ali, chama-se SUPERAÇÃO. Todos podem alcançá-lo; afinal, como nos diz o salmista, somos deuses! E esta essência divina que carregamos, quando acionada, torna-nos fortes, irresistivelmente capazes.
Afinal, precisamos superar antigas formas de ser e de pensar para evoluir. E o que é viver na Terra, senão um exercício de evolução para todos nós?

Joseph Campbell e a Saga do Herói: do individual ao social
Joseph Campbell, psicólogo americano, autor da teoria relacionada ao poder do mito, ao estudar os mitos e histórias de heróis, de todas as culturas, em épocas variadas, encontrou nestas um ponto em comum, um enredo lógico, constituído de passos cronológicos, sequenciais, pedagógicos e evolutivos. Constatou que toda história escrita ou narrada parte de um ambiente cotidiano, familiar, controlado, em que se mostra o dia a dia do herói, com seus afazeres e costumes, junto a seus conhecidos e/ou familiares. Então, em determinado momento de sua “controlada" vida, esse herói sente-se impulsionado a sair desse ambiente, como se uma força invisível e irresistível o obrigasse a partir em busca de algo novo. Mesmo que o herói relute, tente negar o não familiar, algo acontece e o “empurra" para fora, rumo a um grande desafio. Com o passar do tempo e das experiências, eis que surge um dilema gigantesco a ser enfrentado, depois outro, até que, quando o herói já sente que não tem mais forças, nasce nele uma energia sobre-humana, especial, capaz de fazê-lo ser mais do que tinha sido até ali, levando-o a uma vitória impressionante, colocando-o, então, em outro patamar.
Quando, por fim, esse herói retorna ao seu meio [ou mesmo que prefira estar em outro ambiente], o que acontece é que ele estará transformado, diferente, mais maduro e experiente, de acordo com a vivência que experimentou e a vitória que conseguiu.
Creio que todos nós já nos deparamos com histórias assim, seja nos contos de Grimm, nos mitos gregos, nórdicos, africanos, indígenas, ou mesmo nas superproduções do cinema atual. A maior parte dos heróis repete esse tipo de saga.
Mas, afinal, o que esse roteiro comum tem a ver conosco? Por que isso é relevante?
O que acontece é que a saga do herói, proposta e descoberta por Campbell, fala de todos os seres humanos. Todos passamos, em algum momento (ou vários), por determinadas crises em que somos levados a sair das nossas rotinas; perdemos o controle da situação, não entendemos muito bem o que vem pela frente, nos sentimos sozinhos e, por vezes, desesperados. No ápice dos problemas, quando acreditamos que as forças se esgotaram e que estamos prestes a desistir, eis que uma força impressionante surge, arrebatadora, imediata. Ela pode vir na forma de uma ideia, um insight ou uma ação real, prática.
Esse momento crucial da saga, em que conseguimos dar esse passo fundamental, chama-se SUPERAÇÃO, como disse acima.
Percebam que a palavra, se dividida em duas, nos sugere exatamente isso: Uma Super Ação, uma ação especial, não rotineira, poderosa, decisiva.
Quando falamos em SUPERAÇÃO, temos de ter em mente que esta pode ocorrer em qualquer dos nossos aspectos fundamentais, seja ele físico, psíquico, social ou espiritual. E sendo em qualquer um deles, a verdade é que todos os outros são concomitantemente afetados; afinal, somos seres integrais, formados de corpo e alma, com processos mentais, emocionais, sociais e espirituais.
No âmbito individual [falo individual, pois a superação também se dá no campo social] cabe relembrar que somos seres integrais e, portanto, a superação pode se dar em quatro aspectos específicos:
Superação de ordem física: Quando conseguimos uma cura, uma mudança radical de hábito, ou mesmo uma aceitação qualquer com relação a problemas incuráveis em nosso corpo (mutilações, deformações etc.), velhice etc.
Superação de ordem psíquica: Quando mudamos nossos processos mentais de forma mais positiva, alterando antiga forma de enxergar o mundo, deixando de ancorar em emoções tóxicas, trabalhando a autoestima, o autoamor, controlando o vai e vem emocional através do campo racional, nosso modo de depreender a realidade e agir nela.
Superação de ordem social: Quando conseguimos aceitar as pessoas como elas são, sem tentar mudá-las a nosso bel-prazer; quando conseguimos calar para que um mais tolo fale; quando conseguimos manter a paz, a harmonia íntima, dialogando com maturidade com as pessoas, instituindo relações maduras, saudáveis com os demais.
Superação de ordem espiritual: Quando conseguimos sair de nós mesmos e conectar-nos a algo maior que nós, sentindo a presença da inteligência que nos governa, com qualquer nome que queiramos lhe atribuir, aceitando os movimentos da vida, com seus reveses e alegrias, por entendermos que Deus sabe melhor que nós aquilo que nos convém. 

Superação significa, portanto, sair de um patamar, de um degrau na escala evolutiva, para outra posição, melhorada, porque mais equilibrada, harmoniosa.
Um estado de serenidade pode ser percebido quando conseguimos dar este importante passo, com esta SUPERAÇÃO.
Vejamos alguns dos possíveis entraves e medidas positivas para a SUPERAÇÃO:
a.      Baixa autoestima;
b.      Vitimismo;
c.       Orgulho exacerbado;
d.      Remorsos e autossabotagem;
e.       Mágoas;
f.        Infantilização;
g.      Carências;
h.      Revoltas;
i.        Cólera.

Tais emoções e sentimentos surgem de aprendizagens equivocadas sobre si mesmo e o mundo. Nascem da nossa teimosia milenar. Sempre que nos fixamos em emoções dessa qualidade, estas tornam-se tóxicas em nosso mundo mental, levando-nos ao adoecimento, retirando-nos a possibilidade de superação. Será preciso profundo autoconhecimento e medidas de melhoria, através de ações positivas. E lembrando que mudança de hábito requer exercício e perseverança.
Se na Idade Média não imaginávamos a necessidade de um banho, ou a escovação dental, na atualidade esses hábitos surgem como algo natural, porque já impostos pela cultura. Dia chegará em que fazermos o correto será tão natural quanto beber um copo de água quando sentimos sede… Até lá, precisamos nos empenhar e nos ajudar mutuamente, para conseguirmos superar e ultrapassar as indispensáveis etapas evolutivas.
Dentro deste raciocínio, destaco, abaixo, três ações possíveis e necessárias para ajudarmos pessoas que cruzam nossos caminhos a alcançarem esse objetivo sagrado:
Ação Profilática: Quando pais e/ou educadores lançam sobre o educando um olhar empoderador, fazendo-o crer que possui uma força divina em si [o que é a mais pura verdade!], que consegue superar as dificuldades, podendo desenvolver-se plenamente, deixando para trás dificuldades e empecilhos, promovem neste um desenvolvimento saudável, com base sólida, formadora de um ego fortalecido, resistente, plástico. O autoamor surge, permitindo que o indivíduo se torne um adulto forte, ciente de seu papel no mundo, capaz de descobrir e utilizar seus talentos. Para estes, a superação torna-se menos sofrida, mais rápida, por vezes suave, até.
Ação Curativa: Quando, na fase adulta, o sujeito apresenta dificuldades em um ou vários aspectos de sua vida e a mudança íntima parece de difícil solução, o caminho inicial do discípulo da vida deverá ser o proposto há mais de 2.500 anos, com uma frase bastante conhecida no mundo ocidental: “Conhece-te a ti mesmo”. Precisará mergulhar nos meandros de seu psiquismo para tomar conhecimento dos possíveis embustes que prepara contra si mesmo ou das armadilhas em que cai, sem se dar conta dos possíveis caminhos que pode trilhar, afastando-se do sofrimento. Como medidas de ação curativa, destacamos o amor e a orientação, seja através de uma filosofia, uma religião, uma terapia humanista ou mesmo alguma prática meditativa. 
Ação Paliativa: “Como faladora que sou, falo a partir de um lugar…” E este lugar está marcado pela filosofia espírita. Neste modo de pensar, o humano é um Espírito reencarnado, que já passou por muitas experiências, por diversos desafios e aprendizagens diversas, e está neste momento vivenciando novas questões específicas, ideais para ele. Acontece que nem todos aproveitam bem a experiência reencarnatória. Alguns ancoram por demasiado tempo em determinadas posições, atravancando a própria evolução e não se abrem para as lições apresentadas. Preferem a posição de vítimas engessadas. Aprenderam a infantilizar-se e não querem sair deste lugar. O passo da superação nem sempre acontece, portanto. Mas nada está perdido, já que somos imortais e nenhuma semente boa se perde. Mesmo que o solo de seus corações não esteja pronto para o broto da superação, devemos semear, confiantes em que a própria vida fará seu trabalho, ao longo dos dias, anos e décadas… ou mesmo séculos. Um dia, a semente brotará!

Onde podemos encontrar as lições de Jesus, neste contexto até aqui apresentado?
Em tudo! Todas as lições, intervenções e propostas curativas podem ser encontradas na vida e nos exemplos de Jesus. Ele nos trouxe dicas preciosas, ao longo de seu legado. Praticamente no final de sua estada no plano material, disse que devemos trabalhar e confiar, como ele o fez, para que também nós vencêssemos o mundo, como ele venceu. E o que seria “Vencer o Mundo”, senão [no nosso caso] superarmos a nós mesmos, nosso ego problemático, apesar do mundo e dos seus arrastamentos?
Para a Superação própria e para ajudarmos os nossos irmãos do caminho na superação necessária, conjugou alguns verbos essenciais. Citarei aqui seis deles, encontrados em seus ensinamentos, por considerá-los fundamentais em nossa estrada evolutiva. São eles: Semear, Orar, Confiar, Escolher, Agir e Amar.
Semear - “Eis que o semeador saiu a semear.” Mateus (13:3)
Jesus nos pediu para que não colocássemos a candeia abaixo do alqueire, que não deixássemos de distribuir a nossa luz, o nosso conhecimento sobre o amor, sobre o bem. Falou-nos da parábola do semeador, explicando que nem todo solo está preparado para novos brotos, mas que nem por isso o semeador deixa de semear!
Orar - “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á”.
Porque, aquele que pede, recebe; e, o que busca, encontra; e, ao que bate, abrir-se-lhe-á.
E qual dentre vós é o homem que, pedindo-lhe pão o seu filho, lhe dará uma pedra? E, pedindo-lhe peixe, lhe dará uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem?”(Mateus 7:7-10)
Jesus nos diz que a prece tem uma força impressionante, que o Pai sempre escuta todas as preces e que nenhuma delas fica sem resposta, mesmo que não tenhamos de imediato a solução de um problema, pois a prece feita por um coração fortalecido na fé recebe aconchego, se fortalece e se acalma para conseguir a superação necessária.
Confiar - “E eis que uma mulher que havia já doze anos padecia de um fluxo de sangue, chegando por detrás dele, tocou a orla de sua roupa; porque dizia consigo: Se eu tão somente tocar a sua roupa, ficarei sã. E Jesus, voltando-se, e vendo-a, disse: Tem ânimo, filha, a tua fé te salvou. E imediatamente a mulher ficou sã.” (Mateus 9:20-22)
A confiança nos propósitos da vida e na ajuda dos céus nos mantém relativamente serenos diante das grandes crises. Não fomos criados ao acaso e não estamos “soltos no mundo” como penas ao vento. Todos estamos ligados ao Amor do Pai e este está no leme.
Escolher - "Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem.” (Mateus 7:13-14)
Decidir pelo melhor para nós exige uma consulta ao chip divino chamado consciência. Temos tido contato com muitas tradições de sabedoria e todas nos indicam os mesmos caminhos: Amor, trabalho e aceitação. Se fazemos o nosso melhor, se amamos, trabalhamos e aceitamos o que a vida nos traz de desafios, dando o nosso melhor, estamos optando pela porta estreita. E ela nos leva sempre a um lugar melhor.
Agir - "Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; e desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha. E aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; e desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda.” (Mateus 7:24-27)
Saber e não fazer é ser responsável pelo próprio fracasso. Já não somos mais ignorantes de muitas coisas. Cabe-nos continuar tentando, lutando para vencer o mal que ainda habita em nós. 
Amar - “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lo também vós, porque esta é a lei e os profetas.” (Mateus 7:7-12)
Este é o resumo não apenas da Doutrina Cristã, mas, como disse Jesus, é a lei e os profetas, sendo que a lei divina já foi apresentada por muitos missionários, ao longo dos séculos e milênios, em todas as culturas. Ninguém está à margem desse ensinamento. Devemos, portanto, amar sempre… amar a tudo e a todos.
Jesus, o maior psicólogo, o maior pedagogo, o maior exemplo de que temos notícia, sabia que não nos fazemos sozinhos, que precisamos uns dos outros, que Deus ajuda as criaturas por meio das criaturas. Contou-nos que devemos aceitar a realidade, aceitar os movimentos da vida, trabalhando, usando nossos talentos para o melhor, para o mais útil. Chamou-nos a atenção para que tomássemos nosso lugar nesta vida, sendo responsáveis, deixando de ocupar uma posição infantil, vitimizada, dependente. Que fôssemos humildes diante das propostas da vida e fortes diante dos problemas. Que superássemos, através do amor e da confiança em Deus.
Todos somos capazes de ajudar um irmão no processo de superação e também nós podemos superar a nós mesmos, através de Jesus e de seus ensinamentos.

Trabalhemos!

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