J. Herculano Pires
Não basta aceitar os princípios
renovadores da Doutrina dos Espíritos. É preciso vivê-los. Todas as doutrinas
são sistemas lógicos, acessíveis à compreensão intelectual. Desse ponto de
vista, o Espiritismo pode ser compreendido por qualquer pessoa curiosa e de
capacidade mental comum. Trata-se de uma doutrina clara, baseada em princípios
de fácil assimilação, embora por baixo dessa simplicidade existam problemas
complexos, de ordem científica e filosófica. É tão fácil compreendê-lo, desde
que se estude criteriosamente as suas obras básicas.
A simples compreensão de uma
doutrina, porém, não implica a sua vivência. Além de compreendê-la, temos de
senti-la. Somente quando compreendemos e sentimos o Espiritismo, quando o
incorporamos à nossa personalidade, quando o assimilamos profundamente em nosso
ser, é que podemos vivê-lo. Daí a razão de Allan Kardec ter afirmado a
existência de vários tipos de espíritas, concluindo que “o verdadeiro espírita
se conhece pela sua transformação moral”. Espiritismo compreendido e vivido
transforma moralmente o homem.
Viver o Espiritismo, entretanto,
não é viver no meio espírita, fazendo ou frequentando sessões, lendo obras
doutrinárias ou ouvindo conferências. Pode fazer-se tudo isso, e ainda mais, -
pode-se até mesmo gastar muito dinheiro e tempo em obras de assistência social,
- atendendo apenas à compreensão intelectual da doutrina, sem vivê-la. Porque
viver o Espiritismo é pautar todas as ações pelos princípios doutrinários. É
moldar a conduta pela doutrina. É agir, em todas as ocasiões, como o verdadeiro
espírita de que fala Allan Kardec.
Ainda neste ponto, porém, é
necessário lembrar que não basta a conduta externa. Não basta a aparência. Nada
mais avesso, aliás, às aparências, do que o Espiritismo. Anti-formal por
excelência, contrário aos convencionalismos sociais e religiosos, o
Espiritismo, como dizia Kardec: “é uma questão de fundo e não de forma”. Por
isso mesmo, não podemos vivê-lo de maneira externa. Antes da conduta exterior,
temos de reformar a nossa conduta interna, modificar nossos hábitos mentais e
verbais. Pensar, falar e agir de acordo com os princípios renovadores da moral
espírita, que é a própria moral evangélica, racionalmente esclarecida pela
Doutrina do Consolador.
Surge ainda uma dificuldade, que
devemos tentar esclarecer. Chegados a este ponto, muita gente nos perguntará,
como sempre acontece, quando falamos a respeito: “O espírita deve então
sujeitar-se rigidamente a um molde doutrinário?” Não, pois se assim fizesse
estaria impedindo o seu livre desenvolvimento moral. Quando falamos em “moldar
a conduta”, fazemo-lo num sentido de orientação, nunca de esquematização. O
espírita deve ser livre, pois, como acentuava o apóstolo Paulo “onde não há
liberdade não está o Espírito do Senhor”. Só a liberdade dá responsabilidade, e
só a responsabilidade produz a verdadeira moral.
Ao procurar viver o Espiritismo,
devemos portanto evitar as atitudes formais que conduzem ao artificialismo, e
consequentemente à mentira e à hipocrisia. Como se vê, esse é o caminho contrário
ao da Doutrina dos Espíritos, é o caminho tortuoso da Doutrina dos Homens, no
plano mundano. Devemos ser naturais. E como modificar a nossa natureza
inferior, sendo naturais? Primeiro, compreendendo que temos essa natureza
inferior e precisamos modificá-la, o que fazemos pela compreensão da doutrina;
depois, sentindo a necessidade de modificá-la, o que fazemos pela assimilação
emocional da doutrina. Nossa transformação moral deve começar de dentro, e não
de fora. Dos pensamentos e sentimentos, e não das atitudes exteriores. Deve ser
uma transformação para Deus ver, não para os homens verem.
A falta de compreensão desse
problema leva muitos espíritas a posições incômodas dentro da doutrina, e o que
é pior, a posições comprometedoras para o movimento doutrinário. E leva também
a lamentáveis confusões, principalmente no tocante ao problema religioso.
Quando compreendemos, porém, que o Espiritismo não é somente um sistema
doutrinário para assimilação intelectual, mas que é sobretudo, vida, norma de
vida, e principalmente, seiva renovadora da vida humana na terra, então
compreendemos que não é possível separar-se, dos seus aspectos científicos e
filosóficos, o seu poderoso aspecto religioso. Lembremos ainda o que dizia
Kardec, ou seja, que o Espiritismo é forte justamente por afirmar e esclarecer
as mesmas verdades fundamentais da religião.
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