O Dr. Carl Wickland era um médico respeitável.
Destacava-se tanto na prática da clínica quanto na da pesquisa médica. Era
extremamente bem-sucedido. Possuía um casamento sólido com Anna Wickland e uma
família feliz. Estava completamente voltado para suas ocupações, que lhe
absorviam grande parte do tempo escasso, sem nenhum interesse por questões
metafísicas. Seguia uma existência rotineira, inteiramente normal, até que o
inusitado aconteceu.
Anna Wickland, sua esposa, desenvolveu a mediunidade
de uma hora para outra, despertando o interesse do marido e mudando para sempre
os rumos de sua vida.
Certo dia, ao regressar do trabalho, após trabalhar
quase o dia inteiro em um cadáver, para efeito de estudos, encontrou sua esposa
com um aspecto diferente. Ela lhe perguntou algo brusca:
- Quem lhe dá o direito de cortar outra pessoa?
O Dr. Wickland achou graça e lhe respondeu:
- Mas Anna, faz parte do meu trabalho, você sabe muito
bem! Ademais é um corpo de um indigente, que foi recolhido morto de uma
sarjeta.
Sua esposa, com um aspecto sombrio, bradou:
- Morto coisa nenhuma, estou bem vivo aqui,
pedindo-lhe satisfações.
Sobressaltado, o médico disse:
- Como? O que está acontecendo? Pare de brincar mulher!
- Mulher?! - redarguiu sua esposa – Eu sou um homem...
O Senhor não tem o direito de cortar ninguém... - insistiu irritado.
Sua esposa declinou um nome masculino, que dizia ser o
seu, e uma idade diferente, falou coisas que nada tinham a ver com sua vida,
comportando-se como se não fosse ela mesma.
O Dr. Wickland demorou para entender o que estava
acontecendo. Percebeu que de uma forma inexplicada para ele, o Espírito a quem
pertencera o corpo em que estivera trabalhando ao longo de todo o dia estava
ali, na sua frente, conversando com ele através de sua esposa.
Um tanto confuso e assustado ante o episódio, para ele
surpreendente, passou a dialogar com o Espírito, que não tinha consciência de
que estava “morto”, acabando por esclarecê-lo acerca da nova realidade em que
se encontrava, realidade esta que nem ele mesmo até então suspeitava. O
Espírito, assim, após longo e cansativo diálogo, afastou-se do corpo de Anna
que, ao tornar a si, não lembrava de nada do que havia se passado.
Este diálogo, teve um efeito transformador na vida do
Dr. Carl Wickland e, também, na de sua esposa.
Com o tempo, aprenderam a lidar melhor com a
mediunidade.
Centenas de Espíritos passaram a se manifestar através
da Senhora Anna Wickland e o seu esposo os ouvia pacientemente, os interrogava,
conversava horas e horas com eles, observava tudo com muita meticulosidade,
analisava...
Foram mais de trinta anos conversando de forma
desataviada e regular com os impropriamente chamados de “mortos”.
Entre 1918 e 1924 passou a estenografar as
comunicações que eram sempre psicofônicas, isto é, faladas, reunindo farto e
extenso conjunto de materiais que constitui um verdadeiro monumento que
evidencia o prosseguimento da vida após a morte. Todo esse material foi
coligido e examinado com minúcia, dentro do método científico. Este trabalho
resultou em uma obra impressionante, intitulada “Trinta anos entre os mortos”,
contento o relato das experiências com os Espíritos, a transcrição de inúmeros
diálogos, a exposição e análise dos fatos, observações e comentário pessoais,
etc.
O Dr. Wickland constatou que a maioria dos Espíritos
que se manifestavam através da mediunidade de sua esposa achavam-se num estado
de perturbação, muitos nem sabendo que estavam mortos. Nesse estado, na maioria
das vezes, permaneciam em seus antigos lares, junto aos familiares, exercendo
uma influência negativa sobre eles, prejudicando-os das mais diversas formas:
de um simples incômodo até a loucura completa.
Conversando com os “mortos”, esclarecendo-os, o Dr.
Wickland realizava uma espécie de terapia que ajudava, e muito, os Espíritos a
se auto-encontrarem, compreendendo a nova situação em que estavam. Desta forma,
eles se afastavam do antigo lar e dos familiares, deixando de causar tantos
problemas, mesmo sem querer.
Incansáveis, o Dr. Wickland e sua esposa prestaram um
concurso inestimável, socorrendo e consolando centenas de Espíritos
desequilibrados que vinham procurá-los ou eram conduzidos até eles, estendendo
um auxílio que se desdobrava entre as duas dimensões da vida, a espiritual e a
material, na exata medida em que os “mortos”, uma vez esclarecidos, deixavam de
perseguir e prejudicar os “vivos”.
O Dr. Wickland e sua esposa jamais ouviram falar de
Espiritismo. No entanto, mediante os eventos e as vivências que protagonizaram,
chegaram, por conta própria, às mesmas conclusões, no primeiro quartel do
século XX, a que Allan Kardec chegara no início da segunda metade do século
XIX. Isto prova que a mediunidade é uma faculdade natural, que todos a possuem,
podendo manifestar-se de forma mais patente em qualquer pessoa, independente de
suas crenças e convicções e prova, também, que a comunicação com os Espíritos é
universal, porque decorre do próprio fato de os Espíritos existirem e poderem
atuar de forma perceptível ou não sobre qualquer um de nós.
Mesmo sem querer, o Dr. Wickland depreendeu de suas
experiências mediúnicas uma série de princípios que estão em perfeita sintonia
com a Doutrina Espírita. Lembrando que todas elas contrariavam as suas
convicções de cientista cético. Fora, todavia, convencido pela veracidade e
lógica dos fatos, a ponto de não restar em si mais nenhuma dúvida quanto:
1 - a existência da alma;
2 - a sobrevivência depois da morte;
3 - a possibilidade de se comunicar com os “mortos”;
4 - o mundo espiritual e suas múltiplas dimensões;
5 - a realidade específica de cada ser ao despertar do
outro lado da vida;
6 - a perturbação que alguns Espíritos experimentam
depois da morte e que está relacionada à sua ignorância espiritual e,
principalmente, à sua conduta na Terra;
7 - a interferência negativa que os Espíritos podem
exercer, causando até neuroses, psicoses, loucura...
8 - o diálogo fraterno que se pode manter com os
Espíritos, objetivando o seu esclarecimento...
Apenas em um ponto a posição do Dr. Wickland distoa do
Espiritismo: a reencarnação. Para ele a reencarnação não é possível e nem
necessária. Interrogou um grande número de Espíritos a respeito desta questão
que manifestaram completa ignorância sobre ela. Do fato dos Espíritos com os
quais se comunicava não compreenderem a reencarnação e até negá-la, o Dr.
Wickland, não examinando a questão com a atenção devida, simplesmente conclui
pela negativa.
O que o Dr. Wickland não ponderou é que a maioria dos
Espíritos com os quais dialogava estavam num estado de confusão e perturbação
mental, muitas vezes, como já afirmado acima, desconhecendo a própria condição
de estarem “mortos”. Ora, se não se davam conta de que estavam mortos, que dirá
da reencarnação, cujos mecanismos certamente eram por eles ainda ignorados.
Entretanto, o fato de o Dr. Wickland não confirmar a
reencarnação em nada tira o mérito do seu imenso e fabuloso trabalho.
“Trinta anos entre os mortos” é uma obra que mostra
como é possível uma mente livre de preconceitos penetrar nos mais obscuros
enigmas da existência. Enquanto muitos cientistas do seu tempo e, também, do
nosso, limitavam-se em negar a própria ocorrência do fenômeno, o Dr. Wickland,
ao defrontá-lo, examinou-o sem ideias preconcebidas, convencendo-se da sua
realidade.
Hoje, as evidências em prol
da imortalidade e da comunicabilidade dos Espíritos multiplicam-se
progressivamente, não sendo mais possível sustentar posições sistemáticas e
dogmáticas que lhes são contrárias. Alguém já disse que contra fatos, não há
argumentos!
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