quinta-feira, 18 de junho de 2015

A Caridade e a Filantropia nos Ensinamentos de Jesus[1]



A última novidade, na luta contra o Espiritismo, é a descoberta de que os espíritas não praticam a caridade, mas apenas a filantropia. A caridade exige o amor a Deus, a pureza da fé, e elevação espiritual. A filantropia é coisa mais simples: amor do homem, da criatura, e não do Criador. O caridoso faz o bem pensando em Deus, de coração voltado para o Pai. O filantropo o faz pensando apenas no seu semelhante. Essa a diferença. E os espíritas, considerados “instrumentos do diabo”, inimigos de Deus, não podem fazer caridade.
Somos obrigados a tratar desses temas, às vezes, em virtude da maneira por que eles são levantados por adversários do Espiritismo. Nossa doutrina está ainda enfrentando aquela mesma fase polêmica do Cristianismo antigo, após a fase apologética. E isso só serve para confirmar que o Espiritismo é, realmente, como dizia Kardec, um restabelecimento do Cristianismo em sua formulação inicial, ou como diz Emmanuel: “a renascença cristã”. Neste sofisma sobre a caridade e a filantropia, por exemplo, temos de voltar às próprias palavras do Cristo, para mostrar que nem tudo se passa de maneira tão simples.
Os fariseus procuravam sempre enredar Jesus em problemas dessa espécie. Na defesa de seus princípios, e principalmente de suas prerrogativas religiosas, considerando-se como intérpretes únicos da escritura e únicos legítimos conhecedores da religião, propunham ao Mestre e aos Seus seguidores questões ardilosas, como aquela do pagamento do imposto a César, que ficou célebre. Certa vez, segundo nos conta o evangelista Mateus (Capítulo XXIII, vers.34 a 40), perguntaram a Jesus qual era o maior mandamento da Lei. E o Mestre respondeu com estas palavras claras:
“Amaras ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento.” Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: “amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas”.
Esta resposta não deve ter agradado aos fariseus. Porque Jesus, como vemos, fez certa confusão entre caridade e filantropia. Disse que amar a Deus era o principal mandamento, mas logo depois ensinou que amar aos homens era semelhante àquele. E acrescentou que desses dois mandamentos dependiam toda a lei e os profetas, ou seja, que de uma só coisa, o amor, decorre toda a religião, toda a salvação, toda a revelação, toda a escritura revelada. Ora, dizer isso aos fariseus formalistas, a homens que faziam da religião um sistema convencional de preceitos e sacramentos, era o mesmo que dizer uma heresia. Não foi à toa, portanto, que Jesus terminou no madeiro.
Para os fariseus, amar a Deus só era possível dentro do farisaísmo. Amar aos homens era coisa secundária, era simples filantropia, coisa de gente sem iluminação espiritual, sem conhecimentos religiosos elevados. Mas eis que Jesus diz esta enormidade: que amar aos homens é semelhante a amar a Deus. E noutras ocasiões como na parábola do Bom Samaritano, o Mestre reafirma a Sua lição, mostrando que o samaritano desprezado, herege, “instrumento do diabo”, afastado de Deus e da Lei, era melhor que o fariseu privilegiado pela graça de Deus. E melhor por quê? Porque sabia fazer a filantropia, amar ao seu semelhante, sacrificar-se por uma criatura sofredora e infeliz.
Na verdade, o samaritano de então, como o espírita de hoje, não deixa de amar a Deus. Mas suponhamos que deixasse. Imaginemos que o samaritano, naquele tempo, ou o espírita, em nossos dias, fossem realmente criaturas sem Deus, ou até mesmo ligadas ao diabo. Veremos então esta curiosa contradição: de um lado, os filhos de Deus praticando a caridade pelo interesse da salvação própria; de outro, os filhos do diabo praticando a filantropia sem nenhum interesse, a não ser o amor ao próximo. Qual dos dois seria mais meritório, no plano de uma avaliação moral?
Jesus, que compreendia bem essas coisas, mostrou que na verdade não se pode amar a Deus sem amar ao próximo. E que o amor do próximo é o caminho, e ao mesmo tempo a prática do amor de Deus. Por isso acrescentou aquela regra de ouro: “Assim, tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles: porque essa é a lei e os profetas.” O egoísmo farisaico, com toda a sua enorme soberba, com a sua pretensão de exclusivismo religioso, foi condenado para sempre, nessas doces lições de humanidade. Jesus nos convida sempre ao amor, que é compreensão do próximo, sob o auxílio paternal de Deus, e não ao sectarismo exclusivista e agressivo, ao farisaísmo arrogante.
Aconselhamos as pessoas interessadas em maior desenvolvimento deste assunto a lerem O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec. O problema da caridade, não segundo um conceito teológico, ou, como dizia Paulo: “não na letra que mata”, mas no “espírito que vivifica”, segundo a concepção espiritual, está ali colocado de maneira magistral. Maravilhosas instruções dos espíritos, recebidas por Kardec ou a ele enviadas por pessoas de todas as partes do mundo, esclarecem esse problema à luz das lições evangélicas. “A caridade não se ensoberbece” – como dizia o apóstolo Paulo, e o Espiritismo a ensina como humildade, sem arrogar-se o privilégio da sua prática.



[1] O Homem Novo – J. Herculano Pires – São Bernardo do Campo: Correio Fraterno, 2008

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