A última novidade, na luta
contra o Espiritismo, é a descoberta de que os espíritas não praticam a
caridade, mas apenas a filantropia. A caridade exige o amor a Deus, a pureza da
fé, e elevação espiritual. A filantropia é coisa mais simples: amor do homem,
da criatura, e não do Criador. O caridoso faz o bem pensando em Deus, de
coração voltado para o Pai. O filantropo o faz pensando apenas no seu
semelhante. Essa a diferença. E os espíritas, considerados “instrumentos do
diabo”, inimigos de Deus, não podem fazer caridade.
Somos obrigados a tratar desses
temas, às vezes, em virtude da maneira por que eles são levantados por
adversários do Espiritismo. Nossa doutrina está ainda enfrentando aquela mesma
fase polêmica do Cristianismo antigo, após a fase apologética. E isso só serve
para confirmar que o Espiritismo é, realmente, como dizia Kardec, um
restabelecimento do Cristianismo em sua formulação inicial, ou como diz
Emmanuel: “a renascença cristã”. Neste sofisma sobre a caridade e a
filantropia, por exemplo, temos de voltar às próprias palavras do Cristo, para
mostrar que nem tudo se passa de maneira tão simples.
Os fariseus procuravam sempre
enredar Jesus em problemas dessa espécie. Na defesa de seus princípios, e
principalmente de suas prerrogativas religiosas, considerando-se como
intérpretes únicos da escritura e únicos legítimos conhecedores da religião,
propunham ao Mestre e aos Seus seguidores questões ardilosas, como aquela do
pagamento do imposto a César, que ficou célebre. Certa vez, segundo nos conta o
evangelista Mateus (Capítulo XXIII, vers.34 a 40), perguntaram a Jesus qual era
o maior mandamento da Lei. E o Mestre respondeu com estas palavras claras:
“Amaras ao Senhor teu Deus de
todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento.” Este é
o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: “amarás o
teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os
profetas”.
Esta resposta não deve ter
agradado aos fariseus. Porque Jesus, como vemos, fez certa confusão entre
caridade e filantropia. Disse que amar a Deus era o principal mandamento, mas
logo depois ensinou que amar aos homens era semelhante àquele. E acrescentou
que desses dois mandamentos dependiam toda a lei e os profetas, ou seja, que de
uma só coisa, o amor, decorre toda a religião, toda a salvação, toda a
revelação, toda a escritura revelada. Ora, dizer isso aos fariseus formalistas,
a homens que faziam da religião um sistema convencional de preceitos e
sacramentos, era o mesmo que dizer uma heresia. Não foi à toa, portanto, que
Jesus terminou no madeiro.
Para os fariseus, amar a Deus só
era possível dentro do farisaísmo. Amar aos homens era coisa secundária, era
simples filantropia, coisa de gente sem iluminação espiritual, sem
conhecimentos religiosos elevados. Mas eis que Jesus diz esta enormidade: que
amar aos homens é semelhante a amar a Deus. E noutras ocasiões como na parábola
do Bom Samaritano, o Mestre reafirma a Sua lição, mostrando que o samaritano
desprezado, herege, “instrumento do diabo”, afastado de Deus e da Lei, era
melhor que o fariseu privilegiado pela graça de Deus. E melhor por quê? Porque
sabia fazer a filantropia, amar ao seu semelhante, sacrificar-se por uma
criatura sofredora e infeliz.
Na verdade, o samaritano de
então, como o espírita de hoje, não deixa de amar a Deus. Mas suponhamos que
deixasse. Imaginemos que o samaritano, naquele tempo, ou o espírita, em nossos
dias, fossem realmente criaturas sem Deus, ou até mesmo ligadas ao diabo.
Veremos então esta curiosa contradição: de um lado, os filhos de Deus
praticando a caridade pelo interesse da salvação própria; de outro, os filhos
do diabo praticando a filantropia sem nenhum interesse, a não ser o amor ao
próximo. Qual dos dois seria mais meritório, no plano de uma avaliação moral?
Jesus, que compreendia bem essas
coisas, mostrou que na verdade não se pode amar a Deus sem amar ao próximo. E
que o amor do próximo é o caminho, e ao mesmo tempo a prática do amor de Deus.
Por isso acrescentou aquela regra de ouro: “Assim, tudo o que quereis que os
homens vos façam, fazei-o também vós a eles: porque essa é a lei e os
profetas.” O egoísmo farisaico, com toda a sua enorme soberba, com a sua
pretensão de exclusivismo religioso, foi condenado para sempre, nessas doces
lições de humanidade. Jesus nos convida sempre ao amor, que é compreensão do
próximo, sob o auxílio paternal de Deus, e não ao sectarismo exclusivista e
agressivo, ao farisaísmo arrogante.
Aconselhamos as pessoas
interessadas em maior desenvolvimento deste assunto a lerem O Evangelho segundo o Espiritismo, de
Allan Kardec. O problema da caridade, não segundo um conceito teológico, ou,
como dizia Paulo: “não na letra que mata”, mas no “espírito que vivifica”,
segundo a concepção espiritual, está ali colocado de maneira magistral.
Maravilhosas instruções dos espíritos, recebidas por Kardec ou a ele enviadas
por pessoas de todas as partes do mundo, esclarecem esse problema à luz das
lições evangélicas. “A caridade não se ensoberbece” – como dizia o apóstolo
Paulo, e o Espiritismo a ensina como humildade, sem arrogar-se o privilégio da
sua prática.
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