Daniele Madureira - De São Paulo para a BBC News Brasil - 9 maio 2021
Raiva, rancor, orgulho, medo,
egoísmo. Sentimentos comuns a todos os seres humanos podem estar no cerne de
boa parte das doenças enfrentadas pela humanidade, segundo a própria medicina.
Várias instituições no Brasil e no mundo vêm se dedicando a estudar até que
ponto a saúde do indivíduo é influenciada, literalmente, pelo seu estado de
espírito.
No país, a Sociedade Brasileira
de Cardiologia (SBC), o Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, por meio do
Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (Proser), e a Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com o Núcleo de
Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes), têm investigado o quanto a
espiritualidade (não necessariamente a religiosidade) do paciente auxilia na
cura de doenças físicas e psíquicas ‒ que podem ser agravadas a partir de
sentimentos ruins e pensamentos destrutivos.
Nos Estados Unidos, grandes
instituições de ensino como a Escola de Medicina de Stanford, as Universidades
Duke, a da Flórida, a do Texas e Columbia mantêm centros de estudos exclusivos
sobre o assunto, assim como a Universidade de Munique, na Alemanha, a de
Calgary, no Canadá, e o Royal College of Psychiatrists, no Reino Unido. Para os
centros de pesquisa, há um conjunto de evidências que indicam que diversas
expressões da espiritualidade têm impacto significativo na saúde e no
bem-estar, associadas a menores níveis de mortalidade, depressão, suicídio, uso
de drogas, ou mesmo internações e medicamentos.
As instituições ressaltam que
espiritualidade é diferente de religião: em tese, uma pessoa religiosa é
espiritualizada; mas alguém espiritualizado não necessariamente segue uma
religião - e pode até não acreditar em Deus. A espiritualidade estaria ligada à
busca pessoal de um propósito de vida e de uma transcendência, envolvendo
também as relações com a família, a sociedade e o ambiente.
Perdão e gratidão no
controle da pressão arterial
"A espiritualidade é um
estado mental e emocional que norteia atitudes, pensamentos, ações e reações
nas circunstâncias da vida de relacionamento, sendo passível de observação e
mensuração científica", diz o médico Álvaro Avezum Júnior, presidente da
Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), professor do centro
de cardiopneumologia da USP e do programa de doutorado do Instituto Dante Pazzanese
de Cardiologia.
Segundo ele, a espiritualidade é
expressa através de crenças, valores, tradições e práticas. "Quem tem
menos disposição ao perdão está mais disponível a enfrentar enfermidades
coronárias", diz o especialista, que também é diretor do Centro Internacional
de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Da mesma maneira,
diz, a raiva acumulada pode levar à diabetes.
Avezum é um dos principais
estudiosos do país da relação entre espiritualidade e saúde. Esteve à frente da
iniciativa da SBC em publicar, há dois anos, as Diretrizes Brasileiras Sobre
Espiritualidade e Fatores Psicossociais, que integram o conjunto de prevenção
cardiovascular. "A SBC foi a primeira sociedade de cardiologia do mundo a
associar enfermidade moral a doença cardíaca, a partir de evidências
científicas", diz.
Segundo ele, com intervenções
baseadas em perdão e gratidão é possível controlar, por exemplo, a pressão
arterial. "Mas não um perdão condicional, que mantém o ressentimento, e
sim um perdão emocional, que muda o que se sente em relação ao agressor",
afirma.
Agora seus estudos buscam ir
além e entender a origem da doença. "Queremos mostrar que é possível
prevenir a doença tratando a espiritualidade primeiro, por meio do perdão e da
gratidão, além de reforçar outras atitudes positivas como solidariedade,
compaixão, humildade, paciência, confiança e otimismo", diz ele, que não
se importa com eventuais céticos no meio científico. "Se alguém diz que
isto não é ciência está sendo dogmático, porque escolhe o que investigar".
Até 2019, antes da pandemia do
novo coronavírus, as doenças cardíacas eram a principal causa de morte entre
adultos no Brasil. Foram 116.766 óbitos em 2019 relacionados aos males do
coração, informa o Ministério da Saúde. Segundo Avezum, já existem artigos e
estudos sobre espiritualidade e covid-19 no mundo (eram 110 até o último dia 25
de abril, segundo registros do buscador PubMed, da National Library of
Medicine, dos Estados Unidos). Mas os resultados ainda são inconclusivos, diz.
"Para combater o
coronavírus, o melhor é não se expor e se valer da religiosidade e da fé para
enfrentar os desafios do isolamento social", afirma.
"Vou morrer,
doutor?"
O interesse de Avezum no tema
começou com o trabalho da médica americana Christina Puchalski que, desde 1996,
procura inserir o componente espiritual no cuidado com os pacientes. Christina
dirige o Instituto George Washington para Espiritualidade e Saúde (GWish), da
Universidade George Washington. Ela defende que os médicos levantem o histórico
espiritual do paciente para entendê-lo de forma integral. O objetivo é
identificar as crenças e valores que realmente importam ao indivíduo, e como
isso atua na forma como ele lida com a doença.
"Se o paciente acredita que
a meditação o acalma, o médico deve ter essa informação em mãos e recomendar
que ele mantenha a prática, ao mesmo tempo em que toma a medicação", diz o
médico Frederico Leão, coordenador do Proser do IPq. "É preciso adotar a
prática espiritual que esteja em harmonia com as crenças de cada um, porque
isso vai contribuir para o tratamento".
Pesquisar o impacto dessas
práticas na saúde mental dos pacientes é o foco do IPq, que também promove
cursos sobre como o abordar o tema nos consultórios.
Segundo Leão, até o início dos
anos 2000, os médicos tinham muito receio em falar sobre o assunto, mesmo sendo
o Brasil um país onde mais de 80% da população se declara cristã. "Muitos
não sabiam ‒ e talvez ainda não saibam ‒ como fazer essa abordagem", diz
ele. "É o caso do cirurgião que, antes da cirurgia, pede para rezar um Pai
Nosso com toda a equipe e o paciente questiona: 'Por que isso, doutor, vou
morrer?'".
Leão destaca as pesquisas do
psiquiatra americano Harold Koenig, da Universidade Duke, para quem
negligenciar a dimensão espiritual do paciente é como ignorar o seu aspecto
social ou psicológico, ou seja, ele não é tratado de forma integral.
"Koenig constatou que o pensamento positivo, a meditação e a oração não
afetam só a mente, mas o organismo como um todo", afirma Leão, para quem
essas práticas se tornam ainda mais essenciais em tempos de pandemia do novo
coronavírus. "Só os muito alienados não estão revendo seu padrão de vida
neste momento".
Pânico e
ressentimento
Helma Gonçalves do Nascimento
Martins acordou se sentindo estranha naquela sexta-feira, 8 de janeiro. Aos 48
anos, a fisioterapeuta achou que a dor e o cansaço eram resultado do treino
cardiovascular feito na véspera. Mas os sintomas do novo coronavírus vieram com
força. "Tive febre, dor no corpo, perda de olfato, era um sintoma novo a
cada quatro horas", diz. "Me faltava ar até para tomar um copo
d'água". Com o marido e a filha caçula em casa, ela se isolou no quarto da
criança. E aí teve início o pior dos sintomas: o pânico.
"A ansiedade bateu muito
forte, era o medo da morte a todo instante, não conseguia pensar em outra
coisa, achava que eu não ia aguentar", diz ela, que foi monitorada pelo
seu médico durante os 14 dias de tratamento. "Ele me dizia: 'Estou 100%
com você, a gente vai vencer este vírus', e eu procurava acreditar. É uma doença
em que você sente a morte ao seu lado e precisa estar sozinha".
O pior da covid-19 passou nos
primeiros dez dias. Mas os sintomas continuaram por mais de um mês. "Eu
sentia uma fraqueza muscular imensa, tontura", diz.
O tratamento com remédios foi
encerrado e Helma começou a ser atendida pela tia do marido, uma terapeuta
holística. Ela lhe aplicava massagens e passes de reiki. "Aquilo
fortaleceu o meu espírito. Comecei a me sentir bem melhor e um mês depois já
voltei a trabalhar o dia todo", afirma. Evangélica, ela acredita que a
espiritualidade a ajudou na recuperação. "Você quer lutar, quer sobreviver
e vem uma força, que você não sabe bem de onde, e te ajuda a buscar a luz em
meio ao pânico, a superar os sentimentos ruins". Para ela, suas doenças
foram agravadas pelo seu estado emocional. "Três meses antes do
coronavírus, em outubro, sofri uma angina, um pré-infarto. Enfrentava uma crise
conjugal e não conseguia perdoar. Depois, passei a ficar desesperada em relação
ao futuro, ao trabalho, por conta da pandemia. A falta de perdão e de fé me
abalaram demais".
O psicólogo Laerson Cândido de
Oliveira ressalta o valor do amor, da oração, da positividade e da fé no
futuro. "Costumamos ter muita solidariedade em relação a quem está
distante de nós, a quem não conhecemos, mas somos incapazes de perdoar as
menores faltas cometidas por pessoas do nosso convívio", diz ele, que
dirige o Instituto Espírita Cidadão do Mundo (IECIM), em São Paulo.
Segundo ele, o ódio e o
ressentimento aprisionam o indivíduo, levando-o a um estado doentio, enquanto o
medo e o egoísmo paralisam impulsos positivos, no sentido de auxílio ao
próximo.
Contra o negacionismo
As práticas de massagem
(ayurveda) e reiki, usadas por Helma no tratamento das sequelas da covid-19,
integram a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
(PNPICs), adotada em 2006 pelo Ministério da Saúde. Hoje, a PNPICs engloba 29
recursos terapêuticos - muitos baseados em conhecimentos tradicionais como
acupuntura, ioga, meditação, fitoterapia, homeopatia e quiropraxia, e outros
mais recentes, como ozonioterapia e biodança. Atualmente, são oferecidos pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) em 54% dos municípios do país.
A adoção da PNPICs segue
orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, em 1988, incluiu a
dimensão espiritual no conceito de saúde multidimensional. Para a organização,
espiritualidade é "o conjunto de todas as emoções e convicções de natureza
não material, com a suposição de que há mais no viver do que pode ser percebido
ou plenamente compreendido, remetendo a questões como o significado e sentido
da vida, não se limitando a qualquer tipo específico de crença ou prática
religiosa".
"A PNPICs pode fazer a
grande diferença para a saúde da população, ao valorizar o conhecimento
tradicional, as culturas regionais, amparada no aculturamento espiritualista,
sobretudo a um baixo custo", diz o neurocientista Sérgio Felipe de
Oliveira. "É a possibilidade de diálogo com a população", prossegue
ele, para quem o diálogo entre ciência e espiritualidade nunca foi tão urgente.
"A ciência não pode se
fechar em cima de si mesma, em um conhecimento hermético. Ela precisa ouvir e
conversar com a população. Senão, quando nós precisamos da ciência, o povo não
ouve. Aí surgem o negacionismo e as fake news", diz ele, que entre 2007 e
2014 ministrou a disciplina optativa Medicina e Espiritualidade na Faculdade de
Medicina na USP.
Para Sergio Felipe, é
fundamental que o médico crie uma relação de empatia com o paciente.
"Tanto o povo brasileiro quanto o americano são religiosos, acreditam na
força da oração e na proteção de Deus. O médico precisa valorizar a dimensão
espiritual do paciente para integrá-la ao tratamento", afirma.
É neste sentido, por exemplo,
que o médico deve explicar que o paciente não pode estar estressado quando for
tomar o medicamento, porque a adrenalina vai atrapalhar a sua eficácia. "O
estado de espírito do indivíduo interfere na farmacocinética, ou seja, na
absorção e distribuição do remédio no organismo", diz. "Se a oração e
a fé do paciente podem acalmá-lo, isso será importante para que a medicação
surta efeito".
Risadas no centro
cirúrgico
Na cabeça do médico, fazer a
junção entre o material e o espiritual não é tão simples. "Somos treinados
a observar a dimensão física do paciente e, para a maioria, é difícil aliar
este conhecimento técnico com a espiritualidade", afirma a médica pediatra
Carolina Camargo Vince. "É preciso ser cuidadoso na abordagem, para que o
paciente não pense que a cura dele depende de um milagre", diz ela, que
integra a equipe de oncologia pediátrica do Hospital Israelita Albert Einstein
e do Instituto do Tratamento do Câncer Infantil do Hospital das Clínicas de São
Paulo.
No dia a dia, Carolina costuma
estender os cuidados à família da criança. "O diagnóstico de câncer afeta
a saúde mental e emocional não só do paciente, mas das famílias, especialmente
quando se trata de uma criança", diz ela. É comum em um primeiro momento
haver um sentimento de revolta por parte dos pais, que se perguntam por que
isso acontece com o filho deles, ou por que não foram eles o alvo da doença, no
lugar das crianças, afirma.
"O câncer te coloca frente
a frente com a questão da espiritualidade, é um momento de reflexão
existencial", diz Carolina, para quem as crianças, em geral, desenvolvem
sua espiritualidade de maneira plena. "Não passa pela cabeça delas
desistir ou desesperar, elas vão procurar mecanismos dentro delas mesmas para
se adaptar a um novo momento de vida, que envolve muitos remédios, picadas,
desconfortos e às vezes longos períodos de internação".
Paciente de Carolina, Cora
Grigio foi diagnosticada com leucemia quando tinha cinco anos e meio.
"Para mim, até então, essa doença era sinônimo de morte", conta
Patrícia Ferreira Silvério, mãe de Cora, que viu a filha encarar a situação com
leveza.
"A Dra. Carol explicou para
ela o que estava acontecendo de maneira didática e delicada", lembra.
"E durante todo o tratamento, que durou dois anos e dois meses, minha
filha só chorou uma vez". Espirituosa e alegre, Cora sempre gostou de se
enfeitar para ir ao hospital, onde brincava com quem estivesse perto.
"Deitada na maca, ela ia rindo com as médicas para o centro
cirúrgico", lembra Patrícia, que hoje alimenta o Instagram da filha, uma
modelo de 8 anos. "Ela começou a fazer campanhas quando ainda estava
carequinha, tamanha a autoestima".
Mas para a mãe o processo nunca
foi tranquilo. "Um dia, depois das primeiras sessões de quimioterapia,
levei um susto quando um tufo de cabelo dela saiu na escova. Cora percebeu e
começou a cantar para me alegrar", diz Patrícia. "Não aguentei e
chamei meu marido, precisava chorar um pouco".
Para Patrícia, a doença da única
filha foi capaz de lhe mostrar que ela não está no controle de tudo. "Eu
sempre fui a que tomava a frente das coisas, a que resolvia tudo. Mas me
deparei com algo que eu não conseguia resolver. Eu tinha que buscar paz para
passar pelo sofrimento", diz ela, uma católica que se aproximou do
espiritismo na época do tratamento de Cora.
A forma como o paciente e sua
família lidam com a doença pode fazer diferença no resultado final do
tratamento e na recuperação.
Mentes perturbadas
A pediatra intensivista Cíntia
Tavares Cruz sempre quis tratar do tema espiritualidade com as famílias, mas
não sabia como abordar. Ao longo do seu curso de medicina na Universidade de
Campinas (Unicamp), o mais perto que ela chegou do assunto foi quando aprendeu
sobre ética e humanização.
"O paciente que chega à UTI
está em colapso do corpo físico. Existe alto grau de incerteza, tudo sai do
falso controle. Depois de resgatá-lo, é preciso tratar de questões que o
levaram até ali e vão além do físico", diz ela, que só ouviu falar sobre
espiritualidade quando se especializou em medicina paliativa. Voltada a doentes
crônicos, a especialidade busca proporcionar ao paciente e sua família uma
qualidade de vida integral, envolvendo físico, social, emocional e espiritual.
"Neste sentido, as práticas integrativas fazem toda a diferença".
Na opinião da fisioterapeuta
Juliana Faria do Nascimento, as PNPICs contribuem para o equilíbrio energético
e permitem melhorar a imunidade do indivíduo. "Por isso, o Conselho
Nacional de Saúde pediu que este tipo de tratamento não fosse interrompido
durante a pandemia", diz ela, que trabalha em Adamantina (SP) e tem entre
os seus pacientes diabéticos, hipertensos e portadores de doenças
cardiovasculares que viram aumentar seu grau de ansiedade e estresse durante o
confinamento. "Uma mente perturbada não consegue evoluir na parte
física", afirma.
Cíntia Cruz concorda. "A
adoção de práticas integrativas ajuda a desbloquear a espiritualidade do
paciente. Isso não vai acabar com o seu sofrimento, mas vai ajudá-lo a lidar
melhor com este momento difícil, ao sair da inércia e da vitimização", diz
a pediatra, que trabalha como intensivista no Hospital Infantil Sabará, em São
Paulo, e como paliativista no Hospital das Clínicas.
Foi o que aconteceu com o
pequeno Kaleb, de 10 anos. Vítima de sarcoma histiocítico, um tipo raro e
agressivo de câncer, que se disseminou por todo o corpo, ele passou a ter contato
no hospital com a meditação para controlar a dor. "Por vezes eu estava no
quarto conversando com a médica e ele pedia silêncio para meditar", lembra
a mãe de Kaleb, Fernanda Hochstedler.
"Deus não se
esqueceu da gente"
Foi a segunda vez que Kaleb teve
câncer. Na primeira, quando ele ainda tinha 8 anos, foi diagnosticado com
leucemia. Se incomodou com a perda de cabelo, mas respondeu bem ao tratamento
ao longo do primeiro ano. Um dia, porém, começou a sofrer com febres altas e
persistentes. Uma investigação profunda levou ao diagnóstico de sarcoma.
"Foi muito difícil dizer a
ele que surgiu um novo câncer e que ele precisava passar por um transplante de
medula", diz Fernanda. "Dissemos a ele que não sabíamos o final da
história, mas que ele jamais estaria sozinho e que Deus não se esqueceu da
gente", diz ela que, com o marido e outros quatro filhos, segue a Igreja
Internacional do Calvário, de origem canadense.
O transplante foi feito em
novembro de 2019. As sessões intensas de quimioterapia levaram a uma reação no
pulmão e ele voltou a ser internado em 3 de março do ano passado. "Quando
surgiu a pandemia, fiquei o tempo todo com ele no hospital, passei quase um mês
sem ver meus outros filhos", diz Fernanda. Para suprir em parte a falta
dos irmãos, a quem Kaleb sempre foi apegado, a mãe sugeriu que eles fizessem
novos amigos no hospital - alguns mantidos até hoje.
"Quando você foca na vida
da outra pessoa, você cria empatia e transforma a sua própria
perspectiva", diz ela. "Isso nos ajudou a lidar com as emoções e a
não nos entregarmos ao desespero".
O momento de dor profunda,
porém, chegou. Kaleb precisou ser entubado em abril e, em 12 de maio de 2020,
faleceu. Dois dias antes, sem perspectiva de melhoras, Fernanda e o marido
questionaram se os irmãos queriam se despedir de Kaleb. Todos concordaram. O
garoto permanecia sedado, mas os irmãos conversaram com ele. "O meu caçula
disse: 'Vá para casa, Kaleb. Nós vamos mais tarde'", lembra Fernanda, que
chegou a colocar o filho já morto no colo. "Deixá-lo ir, depois de tanto
sofrimento, trouxe muita paz", diz ela, para quem Deus se tornou muito
mais real depois de toda a experiência. "É claro que houve dor e
desespero, mas a fé nos permitiu não permanecer lá e voltarmos a viver".
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