Christiano Torchi[2]
Por que razão a morte, sendo um
fenômeno tão natural, que ocorre com frequência, causa tanto impacto em nossas
vidas, sobretudo quando ela ceifa a vida de nossos entes queridos, sejam eles
familiares ou amigos? Se meditarmos seriamente sobre esta questão, certamente
chegaremos à conclusão de que o modo como enfrentamos a morte tem muito a ver
com a maneira pela qual vivemos.
Habitando em um mundo de provas
e expiações e encarnados em um corpo ainda denso, vivemos intensamente a vida
animal, esquecidos de que somos Espíritos encarnados de passagem pela Terra. Em
consequência disso, apegamo-nos demasiadamente às ilusões terrenas que a vida
na matéria nos proporciona.
Esmagadora maioria dos
habitantes de nosso planeta tem severas dificuldades para lidar com a morte por
desconhecer ou desprezar a própria natureza espiritual. Quem sou, de onde vim,
o que estou fazendo aqui e para onde vou?
Há religiões que, muito embora
se preocupem com o futuro espiritual das almas, apresentam aos seus seguidores
uma visão bem superficial, quando não distorcida, sobre o que nos espera depois
da morte. Prometem um céu beatífico para aqueles que cumprirem ritos de cultos
externos ou um inferno ardente para aqueles que não se comportarem de acordo
com determinados dogmas teológicos. A ciência médica, por seu lado,
enclausurada em preceitos materialistas da Academia, apesar de ter a sublime
missão de cuidar da saúde e salvar vidas, também não consegue oferecer aos
pacientes preparação psicológica à altura desse grave momento de cada um, pelo
fato de desconhecer e até negar a realidade espiritual, concentrando no corpo
perecível todas as aspirações de cura e bem-estar, panorama que, felizmente,
vai aos poucos mudando com o trabalho pioneiro e corajoso das Associações
Médicos-Espíritas e de outras organizações e cientistas independentes, no
Brasil e exterior.
Em boa hora, a Doutrina Espírita
veio em socorro da humanidade, demonstrando por provas irrecusáveis que não
somos um aglomerado de células, que a vida continua e tem um propósito sagrado
para todas as criaturas, independentemente de sua condição econômico-social e
de suas crenças. São os próprios seres que partiram que, por intermédio da
mediunidade, vêm trazer seu testemunho de saudade, amor ou ódio, a nos advertir
constantemente de que a vida prossegue, de que vale a pena fazer o bem, viver
dignamente, e que não há motivo para desespero, pois a morte é apenas uma
mudança de estado, não é um adeus, mas sim um até breve.
E por que razão, mesmo quando
somos iniciados no conhecimento da imortalidade, as nossas dificuldades são
imensas para aceitar a dor da separação daqueles a quem amamos? Há várias
causas para isso, que poderíamos denominar de imaturidade do senso espiritual,
pelo fato de que nossa conduta nem sempre está de acordo com aquilo que
pensamos e sabemos sobre os princípios espíritas:
“Quando a morte ceifa nas vossas
famílias, arrebatando, sem restrições, os mais jovens antes dos velhos,
costumais dizer: ‘Deus não é justo, pois sacrifica o que está forte e tem
grande futuro e conserva os que já viveram longos anos cheios de decepções;
pois leva os que são úteis e deixa os que já não servem para nada; pois
despedaça o coração de uma mãe, privando-a da inocente criatura que era toda
sua alegria’.
Humanos, é nesse ponto que
precisais elevar-vos acima do terra-a-terra da vida, a fim de compreenderdes
que o bem, muitas vezes, está onde julgais ver o mal, e a sábia previdência
onde acreditais ver a cega fatalidade do destino. Por que medir a Justiça
divina pela medida da vossa? Podeis supor que o Senhor dos mundos queira, por
simples capricho, infligir-vos penas cruéis? Nada se faz sem um fim inteligente
e, seja o que for que aconteça, tudo tem a sua razão de ser. Se perscrutásseis
melhor todas as dores que vos atingem, nelas encontraríeis sempre a razão
divina, razão regeneradora, e os vossos miseráveis interesses mereceriam uma
consideração tão secundária, que os relegaríeis para o último plano” [3].
O fato, porém, de acreditarmos
na sobrevivência do ser amado não significa que devamos reprimir o choro
natural de saudade daquele que partiu, ou que devamos ocultar o sentimento puro
que nos une no amor sem jaça. O que não convém é nos comprazer no luto,
alimentando uma tristeza mórbida que em nada ajuda o ser que desapareceu de
nossas vistas, conduta que se equipara a um mudo sentimento de rebeldia às leis
do Criador:
“O Espírito é sensível à
lembrança e às saudades daqueles que amou na Terra, mas uma dor incessante e
fora de propósito o afeta penosamente, porque ele vê, nessa dor excessiva,
falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por conseguinte, um obstáculo
ao progresso e talvez ao reencontro com os que ficaram”.
Merece ser relembrada, a título
de reflexão, antiga lenda árabe, já conhecida de muitos, encontrada no site
“Perda de entes queridos [4]”,
que ilustra bem o comportamento ideal ante a dor da morte:
Narra antiga lenda árabe que um rabino, religioso dedicado, vivia muito
feliz com sua família, esposa admirável e dois filhos queridos.
Certa vez, por imperativos da religião, o rabino empreendeu longa
viagem ausentando-se do lar por vários dias.
No período em que estava ausente, um grave acidente provocou a morte
dos dois filhos amados. A mãe sentiu o coração dilacerado de dor.
No entanto, por ser uma mulher forte, sustentada pela fé e pela
confiança em Deus, suportou o choque com bravura. Mas uma preocupação lhe vinha
à mente: como dar ao esposo a triste notícia.
Sabendo-o portador de insuficiência cardíaca, temia que não suportasse
tamanha comoção. Lembrou-se de fazer uma prece. Rogou a Deus auxílio para
resolver a difícil questão.
Alguns dias depois, num final de tarde, o rabino retornou ao lar.
Abraçou longamente a esposa e perguntou pelos filhos…
Ela pediu para que não se preocupasse. Que tomasse o seu banho, e logo
depois ela lhe falaria dos moços.
Alguns minutos depois, estavam ambos sentados à mesa. Ela lhe perguntou
sobre a viagem, e logo ele perguntou novamente pelos filhos.
A esposa, numa atitude um tanto embaraçada, respondeu ao marido: –
Deixe os filhos. Primeiro quero que me ajude a resolver um problema que
considero grave.
O marido, já um pouco preocupado, perguntou:
– O que aconteceu? Notei você abatida! Fale! Resolveremos juntos, com a
ajuda de Deus.
– Enquanto você esteve ausente, um amigo nosso visitou-me e deixou duas
joias de valor incalculável para que as guardasse. São joias muito preciosas!
Jamais vi algo tão belo! O problema é esse! Ele vem buscá-las e eu não estou
disposta a devolvê-las, pois já me afeiçoei a elas. O que você me diz?
– Ora mulher! Não estou entendendo o seu comportamento! Você nunca
cultivou vaidades! … Por que isso agora?
– É que nunca havia visto joias assim! São maravilhosas!
– Podem até ser, mas não lhe pertencem! Terá que devolvê-las.
– Mas eu não consigo aceitar a ideia de perdê-las! E o rabino respondeu
com firmeza: – Ninguém perde o que não possui. Retê-las equivaleria a roubo!
– Vamos devolvê-las, eu a ajudarei. Faremos isso juntos, hoje mesmo.
– Pois bem, meu querido, seja feita a sua vontade. O tesouro será
devolvido. Na verdade isso já foi feito. As joias preciosas eram nossos filhos.
– Deus os confiou à nossa guarda e durante a sua viagem veio buscá-los.
Eles se foram…
Se a vida continua após a morte,
se a transitoriedade da vida na matéria tem a elevada finalidade de nos
proporcionar a ascensão evolutiva, de oferecer ensejo a resgatarmos nossos
equívocos do passado, não faz sentido que negligenciemos a nossa conduta
espiritual e nos comportemos de forma incompatível com os ensinos espíritas ante
os desafios de viver em um mundo de provas e expiações, sobretudo quando a dor
da separação dos entes queridos nos visita inesperadamente.
[3] KARDEC, Allan. O
evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2ª. edição. 2ª.
impressão. Brasília: FEB, 2014. cap. 5, it. 21.
[4] Texto: “As duas joias”.
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