Vitor Antenore Rossi
Quando iniciei meus estudos da
filosofia espírita em 2006, fui instruído por um grupo de praticantes que
primava pela legitimidade e pela transparência nas relações com a doutrina,
principalmente no que dizia respeito às questões financeiras. Agora, menos de
dez anos depois, deparo-me o tempo todo com divulgações de eventos em várias
localidades, percebendo com isso que houve um grande crescimento e valorização
do conteúdo espírita.
A meu ver, todo crescimento que
acontece de forma rápida traz consigo problemas de organização e critério, pois
o número de expositores cresceu em igual proporção sem qualquer demanda por
experiência ou qualidade.
Incluo o início da minha
trajetória nessa questão, pois abordei temas que estavam além do meu círculo
profissional e hoje vejo leigos fazendo palestras sobre depressão, ansiedade,
mecânica quântica, neurologia, pedagogia e vários outros temas tomando como
base apenas uma ou duas leituras, ou até mesmo uma única experiência pessoal,
como se isso fosse o suficiente para compreender as nuances que envolvem tais
processos.
Somado a isso, vejo inúmeros
cartazes divulgando eventos espíritas associados a taxas irreais para inscrição
chamadas de investimento.
Ora, já dei palestras em vários
estados e sei quanto custa levar um expositor até outra cidade e posso dizer
com clareza que muitos desses eventos cobram acima do valor necessário,
deixando claro com isso que buscam lucrar com a situação. A prerrogativa dos
dirigentes é a de que o lucro será revertido para trazer outros expositores o
que a meu ver é um erro e um comportamento antidoutrinário.
O dinheiro da casa espírita deve
ser conseguido através de almoços, jantares, venda de comidas, artesanatos e
etc. e não pela cobrança do conteúdo a ser apresentado. Nós expositores não
ganhamos nenhuma quantia pelo material que oferecemos voluntariamente e penso
não ser correta a cobrança de valores que ferem a livre divulgação da doutrina.
Cobrar R$10 ou R$15 pelo
coffee-break e para ajudar nos custos da viagem e hospedagem do expositor é uma
coisa, agora cobrar R$40, R$50 ou até R$2.000 para um evento desse porte a meu
ver elitiza e comercializa um conhecimento que deveria ser livre. Se pensarmos
em uma família de quatro pessoas, os valores ficam inacessíveis não apenas para
os pobres, mas até mesmo para a classe média. É necessário sempre deixar em
aberto uma cota de vagas gratuitas para a participação nesses eventos, pois
todos têm o direito de aprender sobre Cristo e sobre a doutrina.
Também sou escritor e sei que
cobrar R$35,00 por um livro mediúnico com uma tiragem de 40.000 cópias gera um lucro
de quase R$30 por livro. Mesmo que a renda seja revertida para a caridade, isso
não justifica taxar o conhecimento. A doutrina não possui dono, não pode ser
comercializada e qualquer racionalização nesse sentido não diminui a falta dos
que a exploram comercialmente.
O espiritismo prega que fora da
caridade não há salvação e seu principal modelo que é Cristo pede que venhamos
a dar de graça o que de graça recebemos, portanto, não compreendo a monetização
que tem sido envolvida nesses processos.
Palestras que custam dinheiro,
palestras que foram oferecidas de graça convertidas em DVD's que custam
dinheiro, sites com assinaturas mensais obrigatórias para a participação em
estudos etc..
Quando um valor que visa um
grande lucro é cobrado sob a premissa de auxiliar em trabalhos assistenciais, a
doação torna-se obrigatória. Eu posso gastar R$10 em um livro e doar outros
R$20 para um trabalho que esteja localizado em minha própria cidade, mas pelo
modelo atual, sou obrigado a doar para a instituição com a qual o escritor está
vinculado, o que privilegia alguns trabalhos e sufoca outros.
Kardec fez um imenso trabalho na
codificação da doutrina e cobrar pelas explicações dela vai contra tudo o que
ela ensina. Existe o livre arbítrio, mas é necessário que saibamos separar o
que é espírita e o que é comércio para que não sejamos expulsos do movimento
assim como foram os cambistas do Templo de Jerusalém.
"E tendo feito um azorrague
de cordas, expulsou a todos do templo, as ovelhas bem como os bois, derramou
pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as
pombas: Tirai daqui estas coisas; não
façais da casa de meu Pai uma casa de negócio [2]".
[2] João 12:15-16
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