A vontade de ver os Espíritos é
coisa muito natural e conhecemos poucas pessoas que não desejariam fruir dessa
faculdade. Infelizmente é uma das mais raras, sobretudo quando permanente. As
aparições espontâneas são bastante frequentes, mas acidentais, e quase sempre
motivadas por uma circunstância toda individual, baseada nas relações que podem
ter existido entre o vidente e o Espírito que lhe aparece. Uma coisa é ver
fortuitamente um Espírito; outra é vê-lo habitualmente e nas condições normais
ordinárias. Ora, é aí que está o que constitui, a bem dizer, a faculdade dos
médiuns videntes. Ela resulta de uma aptidão especial, cuja causa ainda é
desconhecida e que pode desenvolver-se, mas que em vão seria provocada se não
existisse a predisposição natural. É necessário, pois, que nos acautelemos
contra as ilusões que podem nascer do desejo de possui-la, e que deram lugar a
estranhos sistemas. Tanto combatemos as teorias temerárias pelas quais são
atacadas as manifestações, sobretudo quando essas teorias denotam a ignorância
dos fatos, quanto devemos procurar, no interesse da verdade, destruir ideias
que provam mais entusiasmo que reflexão e que, por isso mesmo, fazem mais mal
do que bem, levando ao ridículo.
A teoria das visões e das
aparições é hoje perfeitamente conhecida. Desenvolvemo-la em vários artigos,
especialmente nos números de dezembro de 1858, fevereiro e agosto de 1859, e no
nosso O Livro dos Médiuns, ou Espiritismo Experimental[2].
Portanto, não a repetiremos aqui; lembraremos apenas alguns pontos essenciais,
antes de chegar ao exame do sistema dos glóbulos.
Os Espíritos podem ser vistos
sob diferentes aspectos; o mais frequente é a forma humana. Sua aparição
geralmente ocorre sob uma forma vaporosa e diáfana, às vezes vaga e imprecisa.
A princípio quase sempre é uma claridade esbranquiçada, cujos contornos pouco a
pouco se vão delineando.
De outras vezes as linhas são
mais acentuadas e os menores traços da fisionomia são desenhados com tal
precisão que permite dar-lhes descrição mais exata. Nesses momentos, certamente
um pintor poderia fazer o seu retrato com tanta facilidade quanto faria o de
uma pessoa viva. As maneiras e o aspecto são os mesmos que tinha o Espírito
quando encarnado. Podendo dar todas as aparências ao seu perispírito, que
constitui seu corpo etéreo, ele se apresenta sob a que melhor o faça
reconhecível. Assim, embora como Espírito não mais tenha nenhuma das
enfermidades corpóreas que pudesse ter experimentado como homem, mostrar-se-á
estropiado, coxo ou corcunda, se o julga conveniente para atestar a sua
identidade.
Quanto às vestes, compõem-se
geralmente de um amontoado de pano, terminando em longa túnica flutuante; é,
pelo menos, a aparência dos Espíritos superiores, que nada conservaram das
coisas terrestres. Os Espíritos vulgares, porém, os que aqui conhecemos, quase
sempre aparecem com os trajos que usavam no último período de sua vida.
Frequentemente, os Espíritos
mostram atributos característicos da posição que ocuparam. Os superiores têm
sempre uma figura bela, nobre e serena; os inferiores, ao contrário, têm uma
fisionomia vulgar, espelho onde se refletem as paixões mais ou menos ignóbeis
que os agitavam. Algumas vezes ainda revelam os vestígios dos crimes que
praticaram, ou dos suplícios que padeceram.
Coisa interessante é que, salvo
em circunstâncias especiais, as partes menos acentuadas são os membros
inferiores, enquanto a cabeça, o tronco e os braços são sempre claramente
desenhados.
Dissemos que as aparições têm
algo de vaporoso, malgrado sua nitidez. Em certos casos, poderíamos compará-las
à imagem que se reflete num espelho sem estanho, o que não impede se vejam os
objetos que lhe estão por detrás. Geralmente, é assim que os médiuns videntes
as percebem. Eles as veem ir e vir, entrar, sair, andar por entre os vivos com
ares – pelo menos se se trata de Espíritos comuns – de participarem ativamente
de tudo quanto se passa em derredor deles, de se interessarem segundo o
assunto, de ouvirem o que dizem os humanos. Com frequência são vistos a se aproximar
das pessoas, a lhes insuflar ideias, a influenciá-las, a consolá-las, a se
mostrar tristes ou contentes conforme o resultado que obtenham. Numa palavra:
constituem como que a réplica ou o reflexo do mundo corpóreo, com suas paixões,
vícios ou virtudes, mais virtudes do que a nossa natureza material dificilmente
nos permite compreender. Tal é esse mundo oculto que povoa os espaços, que nos
cerca, dentro do qual vivemos sem o perceber, como vivemos em meio às miríades
de seres do mundo microscópico.
Mas pode acontecer que o
Espírito revista uma forma ainda mais precisa e tome todas as aparências de um
corpo sólido, a ponto de causar completa ilusão e dar a crer, aos que observam
a aparição, que têm diante de si um ser corpóreo. Enfim, a tangibilidade pode
tornar-se real, isto é, possível se torna ao observador tocar, apalpar o corpo,
sentir a mesma resistência, o mesmo calor que num corpo vivo, apesar de poder
se desvanecer com a rapidez do relâmpago. Embora a aparição desses seres,
designados pelo nome de agêneres, seja muito rara, é sempre acidental e de
curta duração e, sob essa forma, não poderiam tornar-se os comensais habituais
de uma casa.
Sabe-se que, entre as faculdades
excepcionais de que o Sr. Home deu provas irrecusáveis, deve-se colocar a de
fazer aparecerem mãos tangíveis, que podem ser apalpadas e que, por seu lado,
podem pegar, apertar e deixar marcas na pele. As aparições tangíveis, dizemos,
são bastante raras, mas as que ocorreram nestes últimos tempos confirmam e
explicam as que a História registra, a respeito de pessoas que se mostraram
depois de mortas com todas as aparências da natureza corporal. Aliás, por mais
extraordinários que sejam, tais fenômenos perdem inteiramente todo o caráter de
maravilhoso, quando conhecida a maneira por que se produzem e quando se
compreende que, longe de constituírem uma derrogação das leis da Natureza, são
apenas efeito de uma aplicação dessas leis.
Quando os Espíritos revestem a
forma humana, não poderemos nos enganar. Já o mesmo não acontece quando tomam
outras aparências. Não falaremos de certas imagens terrestres refletidas pela
atmosfera, que alimentaram a superstição das pessoas ignorantes, mas de alguns
outros efeitos sobre os quais até homens esclarecidos puderam enganar-se. É aí,
sobretudo, que nos devemos pôr em guarda contra a ilusão, para não nos expormos
a tomar por Espíritos fenômenos puramente físicos.
Nem sempre o ar é perfeitamente
límpido; há circunstâncias em que a agitação e as correntes de moléculas
aeriformes, produzidas pelo calor, são perfeitamente visíveis. A aglomeração
dessas partículas forma pequenas massas transparentes que parecem nadar no
espaço e que deram lugar ao singular sistema dos Espíritos sob a forma de
glóbulos. A causa dessa aparência está no próprio ar, mas também pode estar no
olho.
O humor aquoso oferece pontos
imperceptíveis, que hão perdido alguma coisa da sua natural transparência.
Esses pontos são como corpos semi-opacos em suspensão no líquido, cujos
movimentos e ondulações eles acompanham. Produzem no ar ambiente e a distância,
por efeito do aumento e da refração, a aparência de pequenos discos, por vezes
irisados, variando de 1 a 10 milímetros de diâmetro. Vimos certas pessoas
tomarem esses discos por Espíritos familiares, que as seguiam e acompanhavam a
toda parte e, em seu entusiasmo, verem figuras nos matizes da irisação. Uma
simples observação, fornecida por essas pessoas, reconduzi-las-ão ao terreno da
realidade.
Os aludidos discos, ou
medalhões, dizem elas, não só as acompanham, como lhes seguem todos os
movimentos, vão para a direita, para a esquerda, para cima, para baixo, ou
param, conforme o movimento que elas fazem com a cabeça. Esta coincidência, por
si só, prova que a sede da aparência está em nós, e não fora de nós, e o que o
demonstra, além disso, é que, em seus movimentos ondulatórios, jamais esses
discos se afastam de um certo ângulo; como, porém, não seguem bruscamente o
movimento da linha visual, parecem ter certa independência. A causa desse
efeito é bem simples. Os pontos opacos ou semi-opacos do humor aquoso, causa
primeira do fenômeno, são, já dissemos, mantidos em suspensão, mas tendendo
sempre a descer. Quando sobem, é que foram solicitados pelo movimento dos
olhos, de baixo para cima; chegados a certa altura, se o olho se torna fixo, nota-se
que os discos descem lentamente, depois param. Sua mobilidade é extrema,
porquanto basta um movimento imperceptível do olho para fazê-los percorrer no
raio visual toda a amplitude do ângulo em sua abertura no espaço, onde se
projeta a imagem.
O mesmo diremos das centelhas
que se produzem algumas vezes em feixes mais ou menos compactos, pela contração
do músculo do olho, e são devidas, provavelmente, à fosforescência ou à
eletricidade natural da íris, porque geralmente adstritas à circunferência do disco
desse órgão.
Tais ilusões não podem provir
senão de uma observação incompleta. Quem quer que tenha estudado a natureza dos
Espíritos, por todos os meios que a ciência prática faculta, compreenderá tudo
o que elas têm de pueril. Se esses glóbulos aéreos fossem Espíritos, teríamos
de convir que estariam reduzidos a um papel puramente mecânico para seres
inteligentes e livres, papel sofrivelmente fastidioso para os Espíritos
inferiores e, com mais forte razão, incompatível com a ideia que fazemos dos
Espíritos superiores.
Os únicos sinais que, realmente,
podem atestar a presença dos Espíritos são os sinais inteligentes. Enquanto não
ficar provado que as imagens de que acabamos de falar, ainda que assumindo a
forma humana, têm movimento próprio, espontâneo, com evidente caráter
intencional e acusando uma vontade livre, nisso não veremos senão fenômenos
fisiológicos ou ópticos. A mesma observação se aplica a todos os gêneros de
manifestações, sobretudo aos ruídos, às pancadas, aos movimentos insólitos dos
corpos inertes, que milhares de causas físicas podem produzir.
Repetimos: enquanto um efeito
não for inteligente por si mesmo, e independente da inteligência dos homens, é
preciso olhá-lo duas vezes antes de o atribuir aos Espíritos.
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