sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

 


VIDA APÓS A MORTE É CRENÇA EM TODO O MUNDO[1]

Ana Elizabeth Diniz - 25 de novembro de 2025

 

Crença é maior na Indonésia, Nigéria e Quênia e menor no Japão, Suécia e Alemanha

 

A revista “Scientific Reports” acaba de publicar um dos resultados do Estudo Global sobre Florescimento Humano (Global Flourishing Study) que pesquisou, entre 2022 e 2023, a crença na vida após a morte. Foram ouvidas 202.898 pessoas de 22 países de todos os continentes, sendo 13 mil no Brasil. Há ainda o estudo do Pew Research Center, centro de pesquisa localizado em Washington, que ouviu mais de 50 mil adultos em 36 países sobre o mesmo tema.

O resultado do maior estudo já feito sobre florescimento e bem-estar humano revela que a maior parte da população mundial está pelo menos aberta à possibilidade de existência de uma vida após a morte, ao responder “sim” ou “não tenho certeza” a essa pergunta. Essa abertura foi maior na Indonésia (98%), nas Filipinas (92%), no Quênia (87%) e no México (85%) e menor na Alemanha (65%), na Suécia (63%) e na Índia (57%).

“Essas tendências podem ser influenciadas por fatores como secularização, industrialização e mudanças demográficas (envelhecimento versus população jovem)”, analisa Alexander Moreira-Almeida, professor titular de psiquiatria, fundador e diretor do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora e um dos autores do estudo.

Moreira-Almeida destaca que “a frequência a serviços religiosos pelo menos uma vez por semana foi um fator-chave para a crença maior na vida após a morte observada (entre 73% e 78%) e a menor entre aqueles que nunca frequentam (38%)”.

Em muitos países, jovens adultos expressaram crença mais elevada do que adultos de meia-idade e idosos (por exemplo, no Japão e na Alemanha). “Mulheres demonstraram crença muito mais elevada na Austrália, na Polônia e na Suécia, enquanto os homens apresentaram crença significativamente mais elevada no Egito e na Tanzânia”, diz o pesquisador.

E emenda: “Mais anos de educação foram associados a uma crença mais elevada em alguns países, como Brasil, Egito, Indonésia, Quênia, México, Filipinas, Tanzânia e Reino Unido. Em contraste, uma correlação inversa foi observada na Austrália, na Índia, em Israel, na África do Sul, na Espanha, na Suécia, na Turquia e nos Estados Unidos”.

Um dado que chama atenção é que, “em um país altamente religioso como a África do Sul (predominantemente cristã), a proporção de indivíduos que endossam a crença na vida após a morte entre aqueles sem religião foi semelhante à de cristãos e outros grupos religiosos”, observa Moreira-Almeida.

Ele aponta um contraste. “Na Suécia, país mais secular, a adesão à crença entre os não religiosos foi significativamente menor do que entre os religiosos. Isso pode sugerir que uma cultura predominantemente religiosa cria um ambiente de aceitação da crença na vida após a morte que é mantido até mesmo por pessoas não religiosas”.

O especialista cita uma semelhança entre os dois estudos: “A demonstração da alta prevalência de crenças numa visão transcendente do ser humano, ou seja, na dimensão espiritual. A maioria das pessoas acredita na vida após a morte e dá importância à espiritualidade. O principal fato preditor de florescimento de bem-estar, integração social, felicidade e saúde foi justamente a frequência religiosa e espiritual”.

Ele ressalta outro dado muito interessante: “Maior escolaridade não prediz menos crenças em uma dimensão espiritual ou na vida após a morte. No Brasil, no Reino Unido e no México, quanto maior o nível de escolaridade, maior a crença em vida após a morte, assim como também na pesquisa do Pew Research Center”.

https://doi.org/10.1038/s41598-024-83541-x

https://www.pewresearch.org/religion/2025/05/06/believing-in-spirits-and-life-after-death-is-common-around-the-world/

 

Embora não exista uma linha divisória clara e amplamente aceita entre religião e espiritualidade, essas questões mostram que, mesmo em países onde relativamente poucas pessoas consideram a religião muito importante, muitos mantêm crenças em espíritos e/ou na vida após a morte.

É o que revela o estudo realizado pela Pew Research Center. Segundo se reportou, adultos na América Latina e na África Subsaariana estão entre os mais propensos a dizer que há vida após a morte, ao passado que os europeus estão entre os menos propensos a manter essas crenças. A maioria dos cristãos acredita que há vida após a morte, e budistas e hindus são consistentemente mais propensos do que outros grupos religiosos em seus países a acreditar na reencarnação.

Na maior parte dos países pesquisados, a maioria dos adultos afirma que há, definitivamente ou provavelmente, vida após a morte. Exemplificativamente, 85% dos adultos na Indonésia de maioria muçulmana dizem isso, assim como 80% dos adultos no Quênia de maioria cristã. E, nos seis países da América Latina pesquisados, cerca de dois terços dos adultos acreditam que existe vida após a morte. (AED)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

CARACTERES DO ESPÍRITO ELEVADO[1]

 


Miramez

 

Caracteres do homem de bem

Por que indícios se pode reconhecer em um homem o progresso real que lhe elevará o Espírito na hierarquia espírita?

O espírito prova a sua elevação, quando todos os atos de sua vida corporal representam a prática da lei de Deus e quando antecipadamente compreende a vida espiritual.

Verdadeiramente, homem de bem é o que pratica a lei de justiça, amor e caridade, na sua maior pureza. Se interrogar a própria consciência sobre os atos que praticou, perguntará se não transgrediu essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se ninguém tem motivos para dele se queixar, enfim se fez aos outros o que desejara que lhe fizessem.

Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem contar com qualquer retribuição, e sacrifica seus interesses à justiça. É bondoso, humanitário e benevolente para com todos, porque vê irmãos em todos os homens, sem distinção de raças, nem de crenças. Se Deus lhe outorgou o poder e a riqueza, considera essas coisas como UM DEPÓSITO, de que lhe cumpre usar para o bem. Delas não se envaidece, por saber que Deus, que lhes deu, também lhes pode retirar.

Se sob a sua dependência a ordem social colocou outros homens, trata-os com bondade e complacência, porque são seus iguais perante Deus. Usa da sua autoridade para lhes levantar o moral e não para os esmagar com seu orgulho. É indulgente para com as fraquezas alheias, porque sabe que também precisa da indulgência dos outros e se lembra destas palavras do Cristo: Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado.

Não é vingativo. A exemplo de Jesus, perdoa as ofensas, para só se lembrar dos benefícios, pois não ignora que, como houver perdoado, assim perdoado lhe será. Respeita, enfim, em seus semelhantes, todos os direitos que as leis da Natureza lhes concedem, como quer que os mesmos direitos lhe sejam respeitados.(Allan Kardec)

Questão 918 / O Livro dos Espíritos

 

Para reconhecer o Espírito elevado na escala espiritual, basta analisar a sua vida, porque a perfeição espiritual é o conjunto de todas as qualidades morais que a alma pode ter. Não basta somente ser bom; é necessário que se faça a bondade com amor, que se una amor com fraternidade, a fraternidade com a honestidade e essa com o trabalho digno. Assim, sucessivamente, a luz deve ser limpa de todas as trevas, para que a caridade não sofra interrupção.

O Espírito prova a sua elevação quando todos os seus atos de vida condizem com a lei de justiça e de amor. Quando antecipadamente compreende a vida espiritual, pode viver no Céu, mesmo pisando na Terra.

Verdadeiramente, o homem de bem é o que vive a lei de amor e de caridade, que esteja constantemente renunciando às coisas supérfluas e representa uma fonte de conhecimento, doando sempre ao que padece e ensinando aos ignorantes, é o que está sempre interrogando a sua consciência e analisando-se constantemente, buscando corrigir os seus maus pendores. Por onde passa, pratica a caridade e o amor ao próximo sem exigências pessoais. Ele anda por todos os caminhos, alegre, não blasfema quando a dor chega a sua porta, sacrifica todos os impulsos inferiores e não deixa lugar para os maus pensamentos.

É preciso que se veja irmãos em todos os seres, amando todas as coisas sem distinção. Se receberes o dom da riqueza, usa-a como sendo um empréstimo, sem desperdício, e comunga sempre com o bem que podes fazer. Tem complacência com os que não compreendem a verdade, esforçando-te no trabalho, onde a honestidade seja o clima de todos os deveres. Ignora a vingança e busca sempre perdoar, fazendo do perdão uma modalidade de amar, fazendo da fraternidade um meio de aproximação em todas as criaturas.

Não te esqueças de ativar a vida em toda parte com a lembrança de Jesus, porque somente Ele nos mostra Deus na sua realidade pura. Não te esqueças da citação evangélica da mulher adúltera, com sua lição imortal extraída por Jesus para a humanidade inteira. Deste modo, serás um homem de bem, influindo positivamente em toda a humanidade.

Granjeia amigos por toda parte, na verdadeira feição do Cristianismo. Sê atencioso com todas as crianças, transmitindo a elas tudo que a educação e o discernimento nos ensinou. Se compreenderes a lei e a praticares dentro da sua estrutura, podes acalmar todas as ventanias do mal que porventura surgirem em teu coração. Vamos ler Marcos, no capítulo quatro, versículo trinta e nove, nesta referência de Jesus:

E Ele, despertando, repreendeu o vento, e disse ao mar:

Acalma-te, emudece!

O vento se aquietou e fez-se grande bonança. Eis porque devemos praticar a lei de amor, para nos investirmos de poderes e dominarmos todos os ventos que não nasçam da fé em Cristo e do amor a Deus. Façamos o que disse e fez Jesus:

Quem quiser me encontrar, eu estou junto aos que sofrem, no meio dos estropiados, dos famintos, dos encarcerados, dos nus, acolhendo a todos, porque bem-aventurados são todos aqueles que padecem, porque eu os aliviarei. Volta a dizer: Eu sou o caminho, a verdade e a vida.



[1] FILOSOFIA ESPÍRITA – volume 18 – João Nunes Maia

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

 


JAGDISH CHANDRA (caso de reencarnação)[1]

Robert McLuhan e James G. Matlock

 

É o caso do jovem filho de um advogado na Índia que, aos três anos de idade, começou a falar de uma vida anterior como filho mimado de um oficial brâmane corrupto em uma cidade distante. Seu pai publicou suas declarações em um jornal antes de verificá-las. O caso foi questionado por críticos que sugerem que pode ter sido fraudulentamente planejado pelo pai advogado.

 

Babu Pandey e Jai Gopal

Varanasi (anteriormente Benares), no nordeste da Índia, é um destino para peregrinos, o mais importante desses lugares ao longo das margens do rio Ganges. Milhares de pessoas o visitam todos os anos para se banhar nas águas sagradas do rio, usando ghats (cais com degraus para fins de banho). Os ghats são administrados por pandas, brâmanes cujo trabalho é ajudar os peregrinos em troca de uma taxa, mas que historicamente os exploram por dinheiro. Um panda particularmente rico e importante foi Babu Pandey, cujo filho Jai Gopal morreu em 1922.

 

Jagdish Chandra

Em 1926, K.K.N. Sahay, advogado de profissão, estava cuidando de sua esposa doente em casa em Bareilly quando seu filho Jagdish Chandra, então com três anos e três meses de idade, viu um carro a motor (então ainda raro na Índia) e pediu ao pai que lhe desse um. Quando seu pai hesitou, Jagdish Chandra comentou que ele poderia pegar 'seu' carro na casa de Babuji. Em resposta às perguntas, ele respondeu que Babuji morava em Benares e era "seu" pai. Posteriormente, ele deu mais detalhes sobre a vida anterior de que se lembrava.

K.K.N. Sahay então escreveu ao Leader, um conhecido jornal de língua inglesa do norte da Índia, da seguinte forma:

Meu filho, Jagdish Chandra, conta a história de sua vida anterior de uma forma muito conectada. Ele dá o nome de seu pai como Babuji Pandey, local de residência em Benares, descreve a casa de Babuji em Benares e faz menção particular a um grande portão, uma sala de estar e uma sala subterrânea com um cofre de ferro fixado em uma das paredes.

Ele também descreve o pátio em que Babuji se senta à noite. Ele descreve que Babuji e as pessoas que se reúnem lá bebem bhang [uma bebida intoxicante]. Babuji tem malish [massagem] em seu corpo e pinta seu rosto com pó ou terra antes do banho ao lavar o rosto pela manhã. Ele descreve dois carros e um faetonte com um par [de cavalos] e diz que Babuji teve dois filhos e uma esposa e todos morreram. Babuji está sozinho. Ele também descreveu muitos assuntos particulares e familiares.

Não tenho amigos ou parentes em Benares. Minha esposa nunca esteve lá. Eu nunca ouvi falar de Babuji antes.

Convido todos os cavalheiros que se sentirem interessados a averiguar a verdade da história contada pelo menino com espírito científico.

Sahay também listou sete pessoas que conversaram com Jagdish Chandra sobre suas memórias. Ele escreveu novamente ao jornal na semana seguinte para dizer que havia recebido cartas de pessoas desconhecidas para ele em Benares identificando 'Babuji' como Babu Pandey, também conhecido como Pandit Mathura Prasad Pandey. Um correspondente disse que percebeu imediatamente que Jagdish Chandra estava falando sobre Babu Pandey, que era seu cliente há alguns anos, e que, tendo contatado Babu, ele estava em posição de confirmar que quase todos os detalhes fornecidos por Jagdish Chandra estavam corretos.

A K.K.N. Sahay tomou medidas para garantir que o máximo possível sobre o caso pudesse ser verificado antes que qualquer contato fosse feito com a família Panday em Benares. Para esse fim, ele seguiu o conselho de colegas advogados e pediu-lhes que testemunhassem as declarações, enquanto as corroborações eram tratadas por correspondência e não por contato pessoal. Ele então levou seu filho a Benares para conhecer a família Pandey.

Nessa ocasião, Jagdish Chandra fez alguns reconhecimentos de membros da família e indicou corretamente o caminho para a casa de Babu Pandey através de um labirinto de ruas laterais, aparentemente sem ajuda. Ele apontou para a tia de Jai Gopal. No dia seguinte, ele foi ao encontro do próprio Babu Pandey, que, no entanto, não falou ou fez qualquer comentário em sua presença. Nesta ocasião, Jagdish Chandra também visitou o Dash Ashwamadh Ghat (píer de banho), que ele reconheceu à distância. Ele também reconheceu um panda lá e parecia estar muito familiarizado com o lugar. Ele recusou uma folha de bétele que lhe foi oferecida pelo panda, dizendo que não poderia aceitar uma de uma pessoa de status inferior a si mesmo. Ele também reconheceu outros marcos importantes.

Em 1927, Sahay publicou um relatório detalhado do caso em um livreto[2]. Em 1961, Ian Stevenson entrevistou Jagdish Chandra e membros de sua família em Bareilly, bem como membros da família de Pandey em Benares. Stevenson realizou mais entrevistas em quatro visitas de acompanhamento entre 1964 e 1973. Ele publicou seu relatório do caso no primeiro volume de sua série Casos do Tipo Reencarnação em 1975[3].

 

Declarações de Jagdish Chandra

Um total de 51 declarações feitas por Jagdish Chandra quando criança foram gravadas por K.K.N. Sahay. Destes, 36 foram anotados antes da tentativa de verificação e pelo menos 24 foram verificados antes de as duas famílias se conhecerem; outros onze não puderam ser verificados. Jagdish Chandra, em entrevistas com Stevenson e em um relatório escrito por ele mesmo, descreveu detalhes adicionais que ele disse que se lembrava da vida anterior quando era criança. Alguns deles também foram verificados.

Muitas crianças, nesses casos, fazem declarações esporadicamente, muitas vezes em resposta a uma observação ou incidente. As memórias de Jagdish Chandra foram desencadeadas ao ver o automóvel, após o que ele fez a maioria de suas declarações sobre a vida anterior em poucos dias. Memórias adicionais foram estimuladas durante a visita a Benares. Algumas lembranças, por exemplo, de que eles nadavam no Ganges diariamente e que ele usava uma tanga, eram prováveis, mas não podiam ser verificadas. As memórias mais específicas estavam relacionadas a Babu Pandey e sua esposa, a quem Jagdish Chandra chamava de 'tia'.

Alguns dos detalhes incluíram:

§  "Um soldado estava do lado de fora do portão." Babu Pandey empregou guardas armados com cassetetes pesados, que poderiam ter sido postados no portão.

§  "Havia piso de mármore na casa." Alguns quartos do andar de cima da residência de Babu Pandey tinham um elegante piso de mármore em um padrão xadrez.

§  'A esposa de Babu Pandey se chamava Chachi. Ela usava enfeites de ouro nos pulsos e orelhas, cozinhava e fazia pão. Ela tinha um véu comprido e marcas no rosto. Chachi significa tia. Em uma família extensa, uma criança pode ouvir seus primos chamando sua mãe de 'tia' e adquirir o hábito de fazer o mesmo. Os outros detalhes também foram confirmados.

§  'Seu irmão se chamava Jai Mangal. Ele morreu de envenenamento. Suspeitava-se que o irmão de Jai Gopal, Jai Mangal, havia sido envenenado acidentalmente, mas isso não era certo.

§  "Não havia filhas." As duas irmãs mais novas de Jai Gopal nasceram depois que Jai Gopal morreu.

§  'Babu Pandey tinha um carro.' Na verdade, Babu não possuía carros, mas havia um disponível para empréstimo ou aluguel se Jai Gopal quisesse dirigir.

§  'Babu Pandey tinha um phateon e um par de cavalos, também um ekka, um carro puxado por cavalos. Ele usava anéis de ouro nos dedos, recebia peregrinos no grande salão da casa. Tudo confirmado como verdadeiro.

§  'Existe um ghat chamado Dash Ashwamadh.' Dash Ashwamadh é um dos ghats mais proeminentes de Benares.

§  'Babu Pandey gostava de luta livre e eles tinham seu próprio akhara (uma pequena arena para luta livre)'. Stevenson observou o akhara situado na frente da casa.

§  "Babu Pandey pintou o rosto com cinzas ou argila pela manhã e sentou-se no pátio à noite." Um informante confirmou que ele "manchou o rosto com cinzas depois de lavá-lo todos os dias". Outro disse que se sentava do lado de fora da casa por uma hora à noite.

As alegações de memória de Jagdish Chandra chamaram a atenção da lei e ele deu uma declaração perante um magistrado em Barielly em 28 de julho de 1926, antes de sua primeira visita a Benares. Sahay incluiu uma transcrição literal em hindi, que foi traduzida para Stevenson. Em seu depoimento, Jagdish Chandra deu seu nome como Jai Gopal, revelando a força de sua identificação com o filho de Babu Pandey. Seu testemunho incluiu muitos outros detalhes sobre a vida de Jai Gopal que foram posteriormente verificados.

 

Comportamentos de Jagdish Chandra

Jagdish Chandra demonstrou um comportamento incomum para uma criança da casta Kayastha, mas normal para um brâmane. Por exemplo, ele insistia em ter permissão para comer antes de outros membros da família (era costume convidar os brâmanes para começar a refeição primeiro e os brâmanes ortodoxos esperam tal deferência ao comer com membros de outras castas). Ele se recusou a comer com não-hindus ou a comer qualquer coisa que tivesse sido preparada por eles. Ele também mostrou uma atitude enfaticamente hostil em relação a todos os homens com barba. Isso pode estar relacionado à antipatia dos muçulmanos por parte dos brâmanes ortodoxos.

No que diz respeito à dieta, Jagidh Chandra gostava de doces, especialmente rabri - um favorito dos brâmanes e especialmente dos pandas em Benares - e mostrava uma aversão apropriada a alimentos salgados, alho, cebola, ovos e carne.

As memórias de Jagdish Chandra foram desencadeadas pela visão do carro. Jai Gopal parece ter sido mimado por seu pai e levado a entender sua alta posição como filho de um alto funcionário brâmane. Jagdish Chandra disse mais tarde que a mãe de Jai Gopal havia confirmado a ele que sempre que o menino queria dar um passeio, um carro era chamado e ele era conduzido. O próprio Jagdish Chandra lembrou-se de quando criança ter tido um desejo intenso por um carro, e foi isso que parece ter estimulado o fluxo de memórias da vida anterior. O apego aos carros persistiu mais tarde na vida.

Jagdish Chandra sentiu-se rejeitado e magoado pela falta de interesse demonstrado por ele pela família de Babu Pandey enquanto aquele homem estava vivo. No entanto, ele continuou a se interessar por eles e visitou Benares novamente quando tinha quatorze anos (embora não tenha entrado na casa ou encontrado ninguém) e novamente quando tinha 26 anos. A essa altura, Babu Pandey havia morrido (ele morreu em 1933-4), mas suas duas esposas, uma das quais era a mãe de Jai Gopal, e as duas irmãs mais novas de Jai Gopal o receberam afetuosamente. Depois disso, ele continuou a visitar a família com frequência e foi recebido por eles.

 

Ações de Babu Pandey

Babu Pandey não cooperou durante a visita de Jagdish Chandra à sua casa. Uma razão pode ter sido o medo de que a família do menino pudesse usar a alegação de que ele era seu filho renascido para extrair dinheiro dele. Isso teria sido improvável, no entanto, já que K.K.N. Sahay era um advogado próspero e considerado de alto caráter moral. Uma razão mais provável foi que Jagdish Chandra revelou incidentes criminais no passado de Babu. Um deles foi mais tarde descrito a Stevenson como o assassinato de um peregrino por seu dinheiro e o descarte do corpo em um poço abandonado. A preocupação de Babu teria sido agravada pelo interesse do magistrado no caso. Ter aceitado a alegação de Jagdish Chandra teria sido arriscar que ele exponha publicamente o assassinato; recusar-se a aceitá-lo, apesar da impressionante precisão dos detalhes, pode ter suscitado suspeitas que levassem a uma investigação mais aprofundada e à descoberta do crime. Daí a decisão de Babu de permanecer em silêncio.

 

Análise de Stevenson

Stevenson sugere que o status do pai de Jagdish Chandra, um homem educado e advogado, argumenta contra a interpretação deste caso como um artifício fraudulento. O fato de K.K.N. Sahay ter publicado detalhes do caso e permitido que colegas interrogassem seu filho antes de buscar verificações de suas memórias teria tornado o engano ainda mais difícil de manter. É difícil também conceber que um membro da casta Kayastha treine seu filho nos hábitos e maneiras dos brâmanes.

A grande distância entre Bareilly e Benares (cerca de 500 km), a separação das duas famílias por casta e a vigilância rigorosa de Jagdish Chandra quando criança argumentam contra a possibilidade de que ele possa ter coletado as informações detalhadas que aprendeu sobre Babu Pandey e sua família sem que alguém soubesse disso.

Jagdish, irmão mais velho de Chandra, disse a Stevenson que o menino falava menos da vida anterior após sua primeira visita a Benares e, aos sete anos, parou de falar espontaneamente sobre isso. Nas visitas de acompanhamento de Stevenson, no entanto, o próprio Jagdish Chandra disse que suas memórias permaneciam claras e não haviam desaparecido. Ele apenas parou de falar sobre elas.

 

Crítica de Nicol

Em uma resenha do livro em que o relatório de Stevenson sobre o caso de Jagdish Chandra apareceu, J. Fraser Nicol especulou que Jagdish Chandra poderia ter aprendido sobre Jai Gopal de seus próprios pais ou de um servo da família[4]. Stevenson respondeu que, se fosse assim, não explicaria a identificação comportamental de Jagdish Chandra com Jai Gopal[5].

Em uma tréplica, Nicol esclareceu que estava indo além de propor que Jagdish Chandra tivesse ouvido algo sobre Jai Gopal; ele estava sugerindo que 'ele poderia ter sido ensinado por seu pai K. K. N. Sahay, ou mesmo por sua mãe'. Ele afirmou que o testemunho de Jagdish Chandra perante o magistrado foi tão fluente que parecia ter sido treinado[6]. Isso levou Stevenson a fornecer mais detalhes sobre as atividades de Sahay, fazendo com que a alegação de fraude parecesse altamente implausível. Ele deplorou 'extremos de incredulidade', como os demonstrados por Nicol[7]. Nicol respondeu com mais insinuações e concluiu devolvendo a Stevenson seu reconhecimento de que, apesar de seus melhores esforços para chegar à verdade, ele não tinha dúvidas de que às vezes estava errado[8].

O filósofo cético Paul Edwards abraçou a lógica de Nicol em seu livro, Reincarnation: A Critical Examination[9]. Ele apresentou uma teoria elaborada de como o caso foi inventado, mesmo admitindo que isso era totalmente conjectural:

O cenário a seguir me parece uma explicação muito melhor dos eventos do que qualquer suposição reencarnacionista. Aos três anos de idade, Jagdish fez alguns comentários inocentes que o pai transformou em memórias de reencarnação. A prima e seu marido que moravam em Benares e cuja existência Sahay tentou esconder[10] forneceu-lhe informações sobre uma pessoa que havia morrido no momento apropriado. Este era Jai Gopal, e Jagdish logo passou a acreditar no que seu pai lhe disse, que ele havia vivido antes como Gopal em Benares. O pai então começou sua campanha publicitária, terminando na jornada triunfante para Benares[11].

"Nada disso é rebuscado se Nicol estiver certo em sua suposição de que a declaração de Jagdish ao magistrado foi aprendida de cor", afirma Edwards. "Desnecessário dizer", ele admite, no entanto, "não tenho meios de saber se o cenário que acabamos de esboçar se aproxima do que realmente aconteceu[12]".

O pesquisador de reencarnação James G. Matlock aponta que Edwards parece ter baseado seu julgamento apenas na resenha do livro de Nicol. Se Edwards tivesse lido os relatos de casos de Sahay ou Stevenson, ele teria aprendido, entre outras coisas, que este caso é uma das exceções à regra sobre o desvanecimento das memórias no final da infância, que Edwards considerava uma característica problemática de todos os casos de reencarnação[13]. Jagdish Chandra, que nasceu em 1920, disse a Stevenson em 1969 que ainda tinha lembranças claras da vida de Jai Gopal[14]. Este caso é um dos poucos casos de Stevenson com registros escritos feitos antes que as reivindicações de memória fossem verificadas[15], sem dúvida, uma das razões pelas quais os céticos estão tão interessados em miná-lo.

 

Literatura

§  Edwards, P. (1996). Reincarnation: A Critical Examination. Amherst, New  York, USA: Prometheus Books.

§  Matlock, J.G. (2023). Reincarnation and past-life memory. In Probing Parapsychology: Essays on a Controversial Science, ed. by G. Shafer. Jefferson, North Carolina, USA: McFarland.

§  Nicol, J.F. (1976). Review of Cases of the Reincarnation Type. Volume I: Ten Cases in India by Ian Stevenson.  Parapsychology Review 7/5 (Sept.-Oct.), 12-15.

§  Nicol, J.F. (1977a). Letter to the Editor. Parapsychology Review 8/3 (May-June), 18-19.

§  Nicol, J.F. (1977b). Letter to the Editor. Parapsychology Review 8/5 (Sept.-Oct.), 21-22.

§  Sahay, K.K.N. [1927]. Reincarnation: Verified Cases of Rebirth after Death. Bareilly, India: Gupta.

§  Stevenson, I. (1975). Cases of the Reincarnation Type. Vol. I: Ten Cases in India. Charlottesville, Virginia, USA: University Press of Virginia.

§  Stevenson, I. (1977a). Letter to the Editor. Parapsychology Review 8/1 (Jan.-Feb.), 19.

§  Stevenson, I. (1977b). Letter to the Editor. Parapsychology Review 8/5 (Sept.-Oct.), 21.

§  Stevenson, I. (2001). Children who Remember Previous Lives: A Question of  Reincarnation (rev. ed.). Jefferson, North Carolina, USA: McFarland.

 

Traduzido com Google Tradutor

 

 

 



[2] Sahay (1927).

[3] Stevenson (1975). O presente artigo é baseado no relato de Stevenson.

[4] Nicol (1976), 14-15.

[5] Stevenson (1977a). Edwards (1996, 256 n11) afirma que Stevenson 'nunca respondeu' à resenha de Nicol, enquanto esta carta foi a primeira entrada em duas trocas sobre isso.

[6] Nicol (1977a), 19.

[7] Stevenson (1977b).

[8] Nicol (1977b).

[9] Edwards (1996), 256-58.

[10] Sahay (1927, 2) afirmou em seu relatório que não tinha "amigos ou parentes em Benares". Isso era apenas parcialmente verdade. Embora sua prima já tivesse morrido nessa época, seu marido ainda estava vivo, e K.K.N. Sahay e Jagdish Chandra ficaram com eles quando visitaram Benares (Stevenson, 1977b, 2001 n19). Stevenson aparentemente nunca pensou em investigar essa discrepância e não fornece nenhuma razão clara para isso.

[11] Edwards (1996), 258.

[12] Edwards (1996), 258.

[13] Edwards (1996), 255.

[14] Matlock (2023), citando Stevenson (1975, 172).

[15] Stevenson (2001), 155º.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

O LIVRO DOS ESPÍRITOS ENTRE OS SELVAGENS[1],[2]

 


Allan Kardec

 

Sabíamos que O Livro dos Espíritos tem leitores simpáticos em todas as partes do mundo, mas certamente não teríamos suspeitado encontrá-lo entre os selvagens da América do Sul, não fosse uma carta que nos fora enviada de Lima, há poucos meses, cuja tradução integral julgamos por bem tornar pública, à vista do fato significativo que ela encerra, sendo o seu alcance facilmente compreendido. Traz consigo o seu comentário, ao qual não acrescentaremos nenhuma reflexão.

 

Excelentíssimo Senhor Allan Kardec,

Desculpai-me por não vos escrever em francês; compreendo essa língua pela leitura, mas não sou capaz de escrevê-la correta e inteligentemente.

Há mais de dez anos frequento os povos aborígenes que habitam a encosta oriental dos Andes, nestas regiões americanas dos confins do Peru. Vosso O Livro dos Espíritos, que adquiri numa viagem a Lima, acompanha-me nestas solidões. Dizer-vos que o li com avidez e que o releio continuamente não vos deve surpreender. Assim, eu não viria incomodá-lo por tão pouco se não fossem certas informações que vos poderão interessar, ou o desejo de obter alguns conselhos que espero de vossa bondade, pois não duvido que os vossos sentimentos humanos estejam de acordo com os sublimes princípios de vosso livro.

Estes povos que chamamos selvagens o são menos do que geralmente se pensa. Se por isso quisermos dizer que eles moram em cabanas em vez de palácios; que não conhecem nossas artes e ciências; que ignoram a etiqueta das pessoas civilizadas, realmente são verdadeiros selvagens. Mas em relação à inteligência, neles encontramos ideias de uma justeza surpreendente, uma grande finura de observação e sentimentos nobres e elevados. Compreendem com muita facilidade e têm o espírito incomparavelmente menos grosseiro que os camponeses da Europa. Desprezam o que lhes parece inútil, em relação à simplicidade que lhes é suficiente ao gênero de vida que levam. A tradição de sua antiga independência é sempre viva entre eles, razão por que têm uma aversão insuperável aos seus conquistadores; mas, se odeiam a raça em geral, vinculam-se aos indivíduos que lhes inspiram uma confiança absoluta. É por conta dessa confiança que privo de sua intimidade e, quando me acho no meio deles, sinto-me em maior segurança do que em muitas metrópoles. Ficam tristes quando os deixo e me fazem prometer voltar. Quando volto, toda a tribo está em festa.

Estas explicações eram necessárias pelo que virá em seguida.

Disse-vos que tinha comigo O Livro dos Espíritos. Um dia ousei traduzir algumas passagens e fiquei bastante surpreendido ao ver que eles o compreendiam muito melhor do que eu havia pensado, considerando-se certas observações muito judiciosas que faziam. Eis aqui um exemplo. A ideia de reviver na Terra lhes parece perfeitamente natural. Certo dia um deles nos perguntou:

Quando morrermos poderemos renascer entre os brancos?

– Certamente, respondi.

Então serias, talvez, um de nossos parentes?

– É possível.

Sem dúvida é por isso que és bom e nós te amamos?

– Também é possível.

Então, quando encontrarmos um branco não lhe devemos fazer mal, porque talvez seja um dos nossos irmãos.

Como eu, Senhor, certamente vos admirais dessa conclusão de um selvagem, bem como do sentimento de fraternidade que nele despertou. Ademais, a ideia dos Espíritos não é nova para eles; está em suas crenças e eles estão persuadidos de que é possível conversar com os parentes falecidos que os vêm visitar. O ponto importante de tudo isso é tirar partido para os moralizar, e não creio que seja impossível, porquanto ainda não têm os vícios de nossa civilização. É aqui que precisaria de vossos conselhos e de vossa experiência. A meu ver, labora-se em erro quando se imagina que só podemos influenciar as criaturas ignorantes falando-lhes aos sentidos. Penso, ao contrário, que será entretê-las nessas ideias acanhadas e neles desenvolver o pendor à superstição. Creio que o raciocínio, quando o soubermos colocar ao alcance das inteligências, terá sempre um domínio mais duradouro.

Aguardando a resposta que, por certo, me favorecereis, recebei etc.

 

Dom Fernando Guerrero



[1] REVISTA ESPÍRITA – maio 1859 – Allan Kardec

[2] Nota da Editora: Ver “Nota Explicativa”, p. 537.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

RUFINO JUANCO[1],[2]

 


 

Don Rufino Juanco tem uma biografia muito interessante desde seus primeiros dias de nascimento, no povoamento de Garayoa, província de Navarra, Espanha, em 16 de novembro de 1875.

Cursa seus estudos em Pamplona.

Tem em sua alma um sentimento humanístico, uma notável nobreza profunda que pugna por manifestar-se em benefício da humanidade.

Umas vezes com menção honorífica em seus estudos, outras com felicitações e sem faltar algumas vezes as réplicas de seus mestres que sabem, é possuidor de dotes pouco comuns nos demais.

Vai terminar sua carreira sacerdotal. Deve ordenar-se perante o júbilo de seus superiores.

Mas, um acontecimento faz modificar o rumo de sua vida.

É enviado ao México em missão precursora de sua Ordenação Sacerdotal. Viaja.

Conhece a província mexicana. E no transcurso desse tempo, chega a ser amigo familiar do Bispo de Puebla. Logo, ocasionalmente, estando em férias em San Luis Potosi, a vida o põe em contato com um Colégio Wesleiano.

Seu espírito ávido de conhecimento, não desdenha nenhuma opinião. Nenhum ponto de vista contrário aos seus ideais, daí que aceita e se interessa pelo conteúdo desta Religião que, em sua essência, leva o sentimento de cristandade.

Alguém descobre que seu cérebro é prodigioso, aprende depressa, tem fácil expressão, eloquência, firmeza e rigor. Convidam-no a frequentar o templo, a aceitar uma cátedra no Colégio. Ele aceita sem demora.

Que maravilhosa oportunidade aquela! Magnífica oportunidade para desenvolver a oratória e conduzir as almas no caminho da perfeição. O Evangelho, para ele, é fácil de aprender, memoriza versículos; domina a oratória delicadamente enriquecida com o verbo de sua cultura e sua eloquência.

Ao pronunciar os versículos, a interpretação que ele dá é outra, encaminhada ao seu critério e superior ao que outros lhe indicam. Assim não convém aos interesses dos Mestres e tem, então, que abandonar seu ministério.

Continua sua marcha e seu destino. Vai daqui para lá, em busca da Verdade, tratando de satisfazer inquietudes que carrega seu espírito sempre inquieto.

É agora, Ministro de outra igreja protestante na cidade do México.

Certo dia, ao terminar sua pregação deve fechar o templo e descobre duas senhoras, humildes, de idade madura. Não se vão. Esperam algo. Ele, com atenção, interroga-as, dizendo-lhes que é hora de fechar, que o serviço já terminara. "Sabemo-lo, porém, esperamos pelo senhor."

Então, lhe manifestam que o esperam para convidá-lo a ir a um Centro Espírita. Ele não sabe o que é e elas lhe explicam, conduzindo-o à reunião.

Como é homem amante do saber, aceita. E vai, pela primeira vez, a um Centro Espírita.

Não compreende o fenômeno. Nada sabe. Com muitas interrogações em sua mente, abandona o recinto, confuso e pensando que aquelas pessoas são ignorantes e estão equivocadas. Porém, ali mesmo, conhece Dom Victor Del Villar que o convida para suas sessões na cidade de Cuautla, Morelos.

Ali conhece a família Villar, sobretudo a Sra. Matilde R. de Villar, esposa de Dom Victor.

"Nunca conheci família de maior convicção espírita", dizia.

Assiste às reuniões, estuda incansavelmente, penetra na essência profunda do Espiritismo e, por convicção, declara renunciar ao seu ministério sacerdotal.

A partir de então, converte-se no mais assíduo estudante espírita. Estuda as obras de Kardec.

Convencido, observa, analisa, raciocina e prega a verdade descoberta, essa verdade que, por muitos anos, sem sabê-lo, sua alma buscava, inquietamente.

Ocupou, em várias ocasiões, a Presidência da Federação Espírita.

Sua oratória percorreu as tribunas dos Centros. Sua pena foi fecunda, seu verbo resplendia beleza oratória e sentimento.

Através dos campos e cidades, em cartas e periódicos, deu a conhecer, a todo o mundo, especialmente no México e na América, seu pensamento.

Junto a um punhado de homens, silenciosamente prepara uma nova organização. Muitos o secundam.

E, um dia, depois de uns anos de trabalho, surge o que é hoje a "Central Espírita Mexicana". Sua fundação realizou-se em 15 de abril de 1950.

Conta já com 78 anos de idade. E como se o Bem Infinito houvesse assim querido, quando começa a regozijar-se por sua crescente obra, saiu deste mundo.

Ninguém o esperava. Só ele que, um mês antes, pessoalmente, em homenagem que o "Centro Paz, Unión y Progreso", dedicou em comemoração de seu natalício, em 9 de novembro, pressente sua desencarnação: fala da morte e nos dá a conhecer o próprio epitáfio:

Esta é a porta da azul morada; muitas vezes cruzaste seus dintéis.

Oh, alma, a um grão de pó acorrentada!

Seu corpo se converte em pó, em nada, enquanto que na outra margem,

o celeste viajante solta o remo, abandona a barquinha, e segue alegre seu caminho!...

 

Dias depois, em 7 de fevereiro de 1953, exalava o último suspiro.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

A BÚSSOLA ETERNA: A CARIDADE COMO RESPOSTA AO LABIRINTO DA EXISTÊNCIA[1]

 


André Henrique de Siqueira − dezembro/2025

 

Vivemos tempos de desassossego. A condição humana contemporânea assemelha-se a um viajante perdido em um labirinto sem mapa, sob um céu sem estrelas. As grandes narrativas que outrora serviam de guia — ideologias, religiões institucionais, projetos de nação — esboroaram-se, deixando em seu lugar um vácuo persistente. Este vazio existencial foi preenchido pelo ruído incessante do consumo, pela busca frenética por validação em telas luminosas e por uma angústia difusa diante de um futuro que se afigura mais como ameaça do que como promessa. O eu – antigo refúgio das esperanças, agora fragmentado e performático – isola-se em sua torre digital, paradoxalmente conectado a tudo e a ninguém. A finitude, antes um dilema filosófico individual, tornou-se uma ansiedade coletiva, globalizada, que nos paralisa.

Nesse cenário de desencantamento, a ideia da imortalidade da alma ressurge não como um consolo místico ou uma fuga da realidade, mas como a única bússola capaz de reorientar nossa jornada. Se a vida não é um breve e acidental clarão entre duas escuridões, mas um elo em uma corrente infinita de aprendizado e evolução, então cada passo, cada escolha e cada relação adquirem um peso e um propósito radicalmente novos. É a partir dessa reconfiguração fundamental que a caridade deixa de ser uma virtude opcional, um ato de benevolência esporádico, para se revelar como o imperativo lógico, a prática essencial e o próprio caminho da alma que se sabe eterna.

A primeira dádiva da imortalidade é a restituição do sentido. Onde a modernidade líquida oferece a identidade como um produto a ser montado com marcas e experiências compradas, a perspectiva da eternidade nos ancora sobre um eu essencial e perene. A vida atual converte-se em um degrau na escada da Vida Maior, uma sala de aula transitória na grande escola do Universo. A saudade lancinante por aqueles que partiram se transforma: a separação é temporária, a dor é um processo de aprendizado e o reencontro é uma certeza a ser construída. O sofrimento, antes visto como um absurdo cruel, revela-se como ferramenta de aprimoramento. Esse novo paradigma de sentido preenche o vazio existencial não com distrações efêmeras, mas com um propósito cósmico robusto e profundamente pessoal: progredir para uma felicidade perene.

Se o progresso é o propósito, a caridade é o método. A jornada da alma não se mede pelo conhecimento acumulado ou pelas riquezas amealhadas, mas pela capacidade de coordenar tais recursos no ato de servir.

O progresso espiritual é uma equação simples e sublime: só crescemos quando ajudamos o outro a crescer. A caridade é a força divina que nos arranca do egoísmo, que nos desloca de nossas torres individuais para a sublime reunião com o próximo. Nessa lógica, auxiliar não é um ato de abnegação, mas o mais inteligente ato de autointeresse espiritual. Ao compreendermos para sermos compreendidos, ao auxiliarmos para sermos auxiliados, estamos, na verdade, tecendo os fios do nosso próprio futuro. Cada gesto de paciência, cada palavra de conforto, cada ato de perdão é um investimento em nosso próprio tesouro imperecível. A caridade torna-se, assim, a praxis da alma imortal, a ação que materializa a nossa consciência da eternidade.

Ela é, também, o antídoto mais eficaz para a fragmentação e o isolamento que marcam nossa era digital. A arquitetura das redes sociais nos prometeu conexão, mas nos entregou uma epidemia de solidão. Cultivamos laços fracos com centenas de avatares, enquanto os laços fortes, forjados na empatia e na presença real, se atrofiam. Vivemos o paradoxo de estarmos sozinhos juntos, construindo identidades curadas para uma audiência invisível, gerando uma ansiedade constante de performance. A caridade nos convida a sair desse palco. Ela exige engajamento real. Ela se manifesta no respeito diário, na gentileza diante da agressividade, na paciência com o desequilíbrio alheio. Ela reconstrói o capital social erodido, substituindo a interação superficial pela construção de pontes de afeto e compreensão mútua. É a caridade que transforma um aglomerado de indivíduos isolados em uma verdadeira comunidade.

Diante da avassaladora angústia da finitude, que nos sussurra sobre catástrofes climáticas e colapsos sociais, gerando ecoansiedade e paralisia, a perspectiva da imortalidade oferece uma resposta de ação. Se este planeta é uma escola transitória e a morte do corpo é apenas uma passagem, a crise que enfrentamos não é o fim de tudo, mas um chamado urgente à nossa responsabilidade moral. A caridade torna-se, então, a expressão máxima de nossa agência. Em vez de nos afogarmos no consumo compulsivo de más notícias, somos convocados a ser a boa notícia na vida de alguém. Sustentar os fracos, distribuir esperança aos exaustos, amparar os que vivem em penúria e construir um Mundo Melhor com os recursos que temos, por menores que sejam, são os atos que transformam a ansiedade paralisante em ação construtiva. A mudança do mundo, sob essa ótica, começa na reforma do indivíduo e se realiza em seu serviço ao coletivo.

Fundamentalmente: a caridade é a materialização do amor que transcende a morte. A dor da separação dos entes queridos é, talvez, a mais profunda das aflições humanas. A promessa da imortalidade é a do reencontro final, da união sem adeus. Contudo, essa união não é um destino passivo, mas a colheita de uma semeadura diligente. O caminho para reencontrar quem amamos é o trabalho no bem. A caridade é a ponte de luz que conecta os dois mundos, a linguagem universal que os que ficaram e os que partiram compreendem. Ao praticá-la, mantemos vivos os laços afetivos que nunca se extinguem, transformando a saudade em serviço e a espera em construção. Cada ato de bondade em nome daqueles que nos antecederam é uma mensagem de amor enviada através das fronteiras da matéria, garantindo que nossa jornada rumo à eternidade seja uma de união progressiva, e não de solidão.

Face ao exposto, concluímos: a aceitação da imortalidade da alma não nos convida a uma contemplação passiva da eternidade, mas nos impõe uma responsabilidade ativa no presente.

A consequência inevitável e mais bela de se compreender como um ser imortal é a prática da verdadeira caridade. E essa caridade transcende em muito a simples esmola material. É a caridade que se expressa como entendimento fraternal no relacionamento de cada dia; que se torna paciência para com o desequilíbrio, otimismo diante das provas e fé perante as desilusões. É a caridade dos que sabem, ajudando os que ignoram; dos fortes, sustentando os fracos; dos que têm esperança, socorrendo os que jazem na angústia. É uma atitude constante, uma luz divina que flui de nós em direção aos outros, melhorando quem somos e o mundo que habitamos. Ao abraçar a nossa natureza eterna, descobrimos que o amor ao próximo não é apenas um mandamento moral, mas a própria mecânica do Universo, o caminho único e luminoso para a felicidade e para o reencontro final.